terça-feira, 8 de março de 2011

Um Carnaval de Cinema

É tempo de carnaval, o período que marca a passagem do ano, de maneira até mais vincada do que o réveillon, afinal de contas paira sobre o Brasil a máxima de que “o ano só começa de verdade após o Carnaval”. Bobagens à parte, devo dizer que não gosto da festa de momo, independente de sua roupagem, seja a dos carros alegóricos da Sapucaí, dos blocos que invadem as ruas metropolitanas ou mesmo a das famigeradas micaretas nordestinas. Se “atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu”, nem sei o que faço aqui, julgo cheio de vida, escrevendo este texto. Carnaval é bom por conta do feriado, e com isso eu concordo. Aproveitei o período para ver filmes (“ah, novidade”, diriam irônicos, os que me conhecem). Vamos a algumas palavrinhas sobre os filmes que vi durante a folga carnavalesca.

Apocalypse Now
Fazia um bom tempo que um filme não grudava tanto em mim, durante e após a sessão. Assisti a versão original de cinema, já que a Redux, vista anos atrás, não havia me agradado, soando caudalosa demais. Reforço agora o coro dos que proferem ser este um dos maiores, senão o maior, filme de guerra já realizado. É impressionante a capacidade de Coppola em criar uma atmosfera extremamente realista, que retrata com bastante verossimilhança os horrores da guerra do Vietnã, inserir elementos de expressividade e grandiloquência  (vide a maravilhosa cena dos helicópteros ao som de Wagner), e ainda revirar o leme para um transcorrer quase metafísico, quando da chegada do Capitão Willard aos domínios do Coronel Kurtz. Apocalypse Now é tudo o que muitos filmes de guerra sonharam ser, sem chegarem nem perto. Filmaço.

Três Vezes Amor
Este eu vi com a namorada, mas não por imposição dela, é bom que se frise, mas sim por que tinha curiosidade mesmo, desde que vi os primeiros trailers. A história é bem interessante: após uma aula de educação sexual, filha questiona pai sobre alguns aspectos desta temática e pede que ele conte como de fato conheceu sua mãe, de quem ele está se divorciando. O pai então contará a ela, a história de seus três namoros sérios, com o desafio de que descubra qual das três mulheres é sua mãe. Filme água-com-açúcar, mas bem engenhoso. Quando estamos certos de quem é a mãe, lá vem o diretor e nos puxa o tapete, mostrando que deveríamos ter prestado mais atenção, principalmente no perfil do pai, para saber quem de fato foi gestora de sua rebenta. Abigail Breslin está excelente e faz milagre mesmo com o pouco tempo de tela. Bom filme, daquelas comédias românticas que, se não trazem nada de muito novo, são agradáveis e não agridem nossa inteligência.

Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia
Gosto do Hector Babenco e o percebo como um diretor de pulso forte, de excelente senso dramático e estético. Sempre nutri especial curiosidade por este filme, sobre o bandido Lúcio Flávio. É difícil ver exemplares nacionais que bebam com tanta propriedade do gênero policial, que ganhou às telas principalmente em filmes americanos, influenciados pelas novelas pulps e toda uma tradição de literatura policial que sempre foi edificada nos países anglo-saxões. Babenco filma com vigor o submundo, todas as conexões existentes entre polícia e ladrões. O entorno social ele enfoca en passant. O filme me pareceu mais poderoso em algumas partes, especialmente nos diálogos que estabelecem conexões escusas entre o crime e a lei. A construção do personagem principal me pareceu prestar reverência ao magistral O Bandido da Luz Vermelha, só que sem a inventividade formal e o espírito libertário do filme de Sganzerla. Um bom filme, afinal, com boas interpretações (não todas, algumas são bem canhestras, como a de Paulo César Peréio, por exemplo) e que soa bem atual. Guarda semelhanças com Tropa de Elite 2, no que diz respeito a esta relação de prostituição da polícia em busca de dinheiro marginal. Os dois formariam uma bela sessão dupla.

O Portal do Paraíso
A obra maldita de Michael Cimino, que acabou na época por levar à falência o mítico estúdio United Artists. Do alto de seus monumentais 210 minutos, o que temos é um grandioso tour de force, a busca pelo retrato de uma parcela obscura da história americana, a rejeição do chamado “país das oportunidades” pelos imigrantes que lá se instalaram. Tudo é muito grande em O Portal do Paraíso: os cenários são majestosos, a quantidade de extras é “embasbacante”, a minúcia na reconstrução de época é digna de reverência, ou seja, é uma superprodução com todas as características que a alcunha merece. Cimino conseguiu com este filme duas das coisas mais difíceis em Hollywood: dinheiro a granel e liberdade criativa. O saldo, infelizmente, foi negativo, e após arrecadar nos cinemas somente 2% do que gastou em produção, Cimino foi jogado aos leões impiedosamente, com a mesma velocidade com que erigiram anteriormente sua aura de gênio. O filme se ressente de doses mais generosas de concisão e coesão, falta ritmo em determinadas passagens, e o ego de Cimino operando no automático parece ter feito mal a uma narrativa que muitas vezes se perde em suas próprias ambições. Fora isto, é forte pela discussão que propicia e corajoso por bater de frente com o conformismo e o patriotismo paternalista que rege os americanos. Michael Cimino pagou um preço alto, tanto por sua coragem como por seu egocentrismo.

Obs.: Michael Cimino virou mulher, seu nome agora é Elizabeth, e ela é escritora, radicada da França. Largou o cinema.

4 comentários:

  1. É, eu até curto a folia carnavalesca, mas é inegável que é uma boa chance para colocar em dia o nosso lado cinéfilo. Nesse ano também optei por alugar um bom número de filmes e me trancafiar em casa...
    Enfim, muito boa sua lista. APOCALYPSE NOW é obra-prima (gosto das duas versões, na verdade) e LÚCIO FLÁVIO é um filmaço. Diria que é o melhor do Babenco. Os outros não assisti - apesar da curiosidade com o lendário O PORTAL DO PARAÍSO. Ah, por falar no filme, essa história do Cimino é verdade mesmo?

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  2. Oi Wallace,
    Sobre Apocalypse Now, precisaria ver com os olhos de hoje a versão Redux para tecer uma opinião atualizada. Como eu disse no texto, gosto do Babenco demais. Acredito que seu filme que mais me arrebata é "Pixote, a lei do mais fraco", mas certamente "Lúcio Flávio..." é uma ótima peça para entender o ideário do diretor.

    Quando puder assista "O Portal do Paraíso", afinal de contas ele carrega toda esta história nas costas e é um bom filme, em alguns momentos ele é até ótimo. Sobre o Cimino, pesquisei bastante a aparentemente é verdade. Inclusive no blog do André Setaro (http://migre.me/40LR2) tem a informação e uma foto atual dele/dela.

    Abração e obrigado pela visita e comentário.

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  3. Oi Celo!

    Meu carnaval não foi lá muito cinematográfico, ao menos no que diz respeito à produções dignas de comentário. O que vi e que mais me agradou foi "Do Outro Lado", do Fatih Akin, que é excelente e apresenta um roteiro genial, de fazer o Arriaga ficar com inveja (também possui mais de um núcleo e o diálogo entre culturas distintas). Também vi "Juventude", do Domingos de Oliveira, que é um teatro (mal) filmado da melhor qualidade. O texto dele é genial, tocante e cheio de passagens memoráveis.

    Sobre suas experiências, ficarei com as dicas!
    Obrigado pelo texto, guri.
    Um abraço!!

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  4. Olá, Celo!
    "Apocalypse Now" é uma obrigação, mas ainda não a cumpri.

    Abraçosss

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