sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Margin Call - O Dia Antes do Fim


O ano de 2008 foi fatídico para a economia mundial, pois nele eclodiu a famigerada crise econômica que tragou diversas empresas e, num efeito cascata, proliferou para além dos Estados Unidos, onde se originou. A também chamada “crise dos subprimes” germinou com a falência de algumas instituições americanas de crédito que concediam empréstimos hipotecários de alto risco, levando consigo outros tantos estabelecimentos financeiros, em movimento que repercutiu globalmente nas bolsas de valores. O tema surge vívido em Margin Call - O Dia Antes do Fim, estreia em longas-metragens do roteirista e diretor J.C. Chandor, admirável suspense sobre os detonadores da tal crise. 

Evitando qualquer aproximação com visões maniqueístas do mercado financeiro, que pintam os integrantes destas complexas engrenagens como seres desalmados, ávidos por lucratividade, em abordagem que infelizmente encontra eco no senso comum, J.C. Chandor presta-se em Margin Call - O Dia Antes do Fim a uma observação mais angustiada da força humana empregada na movimentação da maquinaria capitalista. A primeira cena evidencia bem a instabilidade deste meio de rentabilidade proporcional aos riscos. Diversos profissionais adentram um escritório para executar demissões em massa. Assemelham-se a um pelotão militarizado de execução. Feitas as devidas contextualizações, não sobram tantas diferenças entre uns e outros. 

Algo precisa ser feito para salvar um gigante capitalista, nem que isto reflita catastroficamente na economia mundial. Vender títulos antes que compradores percebam neles valor ínfimo, como isto transmitindo vírus altamente contagioso, é apenas um procedimento visto com a praticidade característica do mercado. O grande vilão de Margin Call - O Dia Antes do Fim é o próprio sistema financeiro, um abominável disforme que utiliza as pessoas que o manipulam e que dele se utilizam, apenas como hospedeiros. Ninguém é integralmente bom ou mal. Do diretor que ordena ações desafiadoras de básicos preceitos éticos, ao jovem ambicioso que larga a profissão na engenharia por um lugar neste negócio de ganhos mais atraentes, todos são vítimas e algozes, pouco hesitantes ante a possibilidade de aumentar receitas e garantir seu futuro. Alguém poderia condená-los sem hipocrisia? 

Suspense engenhoso, de elenco robusto (como é bom ver dois grandes atores como Kevin Spacey e Jeremy Irons, para citar apenas dois, envergando papeis de extrema relevância novamente no cinema), Margin Call - O Dia Antes do Fim é uma das gratas surpresas da temporada americana, prioritariamente indigesta e anódina, envolta pela arrecadação de filmes que circunscrevem tudo dentro de limites banais ou rasteiros. J.C. Chandor, responsável pelo roteiro e direção, mostra credenciais de quem tem o que dizer, e sabe como fazê-lo de maneira eficiente. O roteiro se prende ao essencial, possui ritmo e aposta num espectador mais antenado em ações e reações, do que propriamente ligado nas minúcias do epicentro capitalista. Ante a dramaturgia sólida e a diretiva inspirada, pode-se perfeitamente prescindir do entendimento de jargões financeiros, sem que haja qualquer perda significativa. No final das contas, ficcionalizar o estopim de uma crise de proporções globais só faz sentido se a resultante espelhar com esta agudeza a relação “homem X dinheiro”. Entre corruptíveis, idealistas e aparentes canalhas, todos são humanos, demasiadamente humanos.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

2 comentários:

  1. Olá, Celo. Obrigado pela dica. Abraçossssss

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  2. Li este texto seu um tempo atrás no Papo de Cinema, e lembro que fiquei curioso pela sessão - ainda que o tema não me atraia tanto. Assisti faz algum tempo outro filme de temática semelhante (que no Brasil recebeu o título 'A Grande Virada') e a abordagem foi o que mais me manteve disperso durante a sessão. Talvez a agilidade de Margin Call mude isso.

    Abraços, Celo!

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