sábado, 7 de janeiro de 2012

Precisamos Falar Sobre Precisamos Falar Sobre o Kevin

Adaptações literárias para o cinema sempre geram opiniões muito controversas. A primeira pedra a ser atirada geralmente se dá por meio do argumento ‘não é tão bom quanto o livro’. Quando assisto a um filme adaptado de um bom romance o faço com aquele receio fantasiado de decepção antecipada, ainda que eu seja daqueles que tenta suprimir quaisquer expectativas (sempre que possível) para conseguir uma experiência imparcial com a obra que for. Com Precisamos Falar Sobre o Kevin, um dos melhores livros que já li, ficou difícil sublimar qualquer esperança de um bom filme quando a adaptação foi anunciada. Hoje, fica difícil considerar alguma qualidade na mesma quando se olha o fracasso do todo.

Sim, acredito que existam obras inadaptáveis, enquanto outras servem praticamente de roteiro para um projeto cinematográfico. Foi assim com Paciente 67, livro de Dennis Lehane que ganhou uma versão quase literal com o olhar de Martin Scorsese no ótimo Ilha do Medo. Lehane inclusive já teve outros filmes extraídos de seus bons romances policiais, entre eles Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood, e Medo da Verdade, de Ben Affleck. José Saramago, por sua vez, por mais que tenha adorado o Ensaio Sobre a Cegueira de Fernando Meirelles, não viu o apreço de seus leitores quando estes encararam sua provável obra-prima no grande ecrã.

Precisamos Falar Sobre o Kevin possui um material muito complexo até mesmo para ser trabalhado na literatura – seja enquanto abordagem narrativa ou temática. Uma mãe rememora uma tragédia sem tamanho por meio de cartas enviadas para seu ex-marido, que nunca as responde. Lionel Shriver compõe seu romance com um êxito enorme, tempo correto e passagens de tirar o fôlego. A tarefa da escocesa Lynne Ramsay com tal adaptação já nasceu inglória: como gerar um bom filme de um livro narrado inteiramente em primeira pessoa, com grandes diálogos e composto quase que exclusivamente por ‘flashbacks’? Sua opção por suprimir o texto em imagens é válida, afinal cinema não é apenas diálogo/narração, porém ela faz isso da pior forma (e com a pior forma) possível, entregando uma obra que, mesmo dissociada de sua origem literária, continua sendo um filme ruim.

Lynne Ramsay tem uma atriz singular em outro papel que se encaixa perfeitamente ao seu perfil de interpretação: Tilda Swinton. A considero como Isabelle Hupert, que igualmente se transforma para qualquer papel de forma fantástica, desde que haja muito drama envolvido. Swinton é sem dúvida o maior trunfo de Precisamos Falar Sobre o Kevin, e uma indicação ao Oscar não seria estranha, porém um único ator não conseguiria salvar o filme que fosse. As más escolhas do roteiro, associadas a montagem esquizofrênica, conseguem por vezes soarem tão agressivas que atrapalham até mesmo o desempenho da magnífica atriz.


Por falar em roteiro, aqui desenvolvido pela própria Ramsay com o auxílio de Rory Kinnear, a sequência narrativa do mesmo parece tão absurda e irregular que toda a naturalidade com que a mesma é desenvolvida na obra de Lionel Shriver se perde. O filme já se inicia intensamente fragmentado por flashbacks que é impossível não se incomodar – e infelizmente de uma maneira não favorável ao filme. Grandes passagens que deveriam ter maior importância ganham cenas quase banais, que interferem até mesmo na empatia para com a protagonista – sentimento tão importante para uma boa experiência num filme como este.

Ramsay, que já tinha dado mostras de sua esquisitice imagética em Morvern Callar, não consegue causar impacto mesmo quando explicita tal intenção. A opção por uma fotografia bastante irregular para cada período em que se passa o filme o torna ainda mais errático, e o muito mencionado excesso da cor vermelha quase se perde em meio a tantos artifícios mal utilizados. Em suma, indico para aqueles que não tiveram o prazer de conhecer o excepcional Precisamos Falar Sobre o Kevin, que o façam por meio do livro de Shriver, e não por esta infeliz adaptação cinematográfica.

4 comentários:

  1. Olá Kon,

    Sempre bom te ler por aqui, e a lebre que levanta quanto as adaptações literárias para cinema é assunto dos mais interessantes.

    Mesmo que não compartilhe de seu entusiasmo pelo livro, que às vezes me soa repetitivo e meio cansado, o considero uma obra interessantíssima, principalmente pela abordagem corajosa e nada convencional das relações familiares. Vendo o trailer,bateu aquele medo, pois ficou o receio de que a natural estranheza do menino, e sua relação sui generis com a mãe, tenha no cinema se transformado quase em desdobramentos provocados por um menino instado por alguma entidade demoníaca.

    Somando esta má impressão, com seu texto nada positivo, duvido que "Precisamos Falar Sobre o Kevin" fará parte tão cedo de minhas sessões.

    Abraços

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  2. Olá, Kon!
    A indignação toma conta quando uma obra literária é mal aproveitada ao ser convertida para a linguagem cinematográfica. Sabe, apesar de sua crítica negativa, Kon, o trailer é bastante instigante, ao menos em minha visão, que é a de alguém que não leu o romance. Todavia, seguirei sua dica. Pretendo sim conhecer a história de uma maneira mais ampla, primeiro através da obra literária. Depois, quem sabe, me aventure na adaptação.

    Abraçossss

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  3. Concordo em gênero, número e grau Conrado. Eu tive o(des)prazer de assistir "..Kevin"no Fstival e tive a mesma impressão(vide texto meu aqui).
    E vc falou uma coisa importante: Tilda S. é o trunfo, pq se o filme é capenga e irregular com ela, imagine sem?
    Não gostei..achei fraco,apelativo, me fez lembrar aquela safra de "Preciosa" onde fizeram uma compilação de desgraças e colocaram num só filme.

    beijos

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  4. Mesmo com o texto nada positivo do meu amigo Conrado, assisti ao filme no ultimo final de semana e particularmente adorei.

    Acho que o fato de não ter lido o livro ajudou a não me influenciar quanto ao filme.

    Adoro a Tilda e seus trabalhos desde o cinema á cartazes de exposição de moda, mais acho que os atores que fazem os "Kevins" tornam a história melhor.
    Gosto bastante das expressões dos meninos. Achei demais.

    Acho que serei a única aqui a falar bem do "Precisamos falar sobre Kevin". rs

    Beijos

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