sábado, 25 de agosto de 2012

360


O diretor Fernando Meirelles alcançou o olimpo através de Cidade de Deus, um dos filmes brasileiros mais celebrados dentro e fora de nosso país. Portanto, é com a aventura cinematográfica do “Trio Ternura” (e de outros moradores da favela carioca) que seus filmes são e serão comparados. É assim mesmo, grandes obras trazem alegria e algum fardo ao seu criador. Mas é bom que se entenda logo de cara: Meirelles não é um autor, suas obras são desprovidas de constantes temáticas e estilísticas. Poucos são os pontos de convergência entre Ensaio Sobre a Cegueira e O Jardineiro Fiel, por exemplo. Sorte o cinema viver igualmente de habilidosos artesãos, dentre eles o próprio Meirelles, que, após projetos erráticos, parece ter voltado aos trilhos da boa artesania com 360, seu mais novo filme.

Não há muito, o cinema viu-se perdidamente enamorado pelas múltiplas narrativas com personagens atrelados no intuito de amplificar um sentimento de conexão, e até mesmo aleatoriedade. Afeito a projetos internacionais, desiludido com os meios de fomento no Brasil, Meirelles fez-se usuário desse expediente, num verdadeiro tour por Europa e EUA, para filmar sua versão de "La Ronde”, clássica peça de Arthur Schnitzler. Nela, vários personagens surgem interligados para expressar relacionamentos multifacetados, escolhas, vícios e virtudes. Em 360, Fernando Meirelles se posta onipresente enquanto testemunha, contudo nunca soando demasiado onisciente. Assim o filme não bate friamente calculado no espectador, como alguns de seus congêneres.

Todos são protagonistas em 360, até o próprio título que deflagra, em graus, o movimento percorrido pelo roteiro do inglês Peter Morgan em seu itinerário narrativo. Dentre os tipos, a menina que tira fotos para um catálogo de prostitutas na internet, o marido tentado a trair sua esposa, o homem dividido entre a fé e o amor, aquela resolvida a por fim em seu affair com um fotógrafo brasileiro, etc. Todos se interligam organicamente dentro dessa perscrutação que expõe elementos comuns a certas experiências e reações. O empenho do diretor surge mais claramente no ótimo trabalho com os atores, todos muito bem.  Por certo um elenco com Anthony Hopkins, Jude Law, Rachel Weisz e Bem Foster, para citar somente alguns, ajuda e muito nesse sentido, mas apenas a direção segura, alimentando-se do roteiro e posteriormente contaminando a montagem, pode trazer a coesão e a força dramática apresentadas em 360.

De todas as histórias contadas, a mais insólita é a de Tyler, o homem recém saído da cadeia e determinado a derrotar a compulsão por sexo. Sua luta sinaliza o quão somos vítimas de comportamentos aditivos e vícios, banais aos olhos daqueles que os imaginam como fruto de deliberações friamente racionalizadas. Várias das figuras de 360 debatem-se frente a impulsos, saídas dúbias, movimentos amorais e felicidades fabricadas. O cinema é muito diferente da realidade (até quando dela quer se aproximar), porém, há algo mais humano que a luta constante para derrotar monstros internos? 360 é sóbrio na medida, fotografado discretamente e contido mesmo quando passional. O espaço que poderia abrigar firulas, facilidades e maneirismos, é ocupado por diálogos afiados e pela observação bastante sensível de aspectos que nos tornam humanamente prosaicos na essência. 



Publicado originalmente no Papo de Cinema

Um comentário:

  1. Celo!
    Concordo contigo: "Cidade de Deus" sempre acompanhará o diretor brasileiro, mas é o preço que se paga por realizar uma obra-prima como tal. Depois de sua crítica, verei o mais rápido possível esse novo Meirelles.


    Abraçossss

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