sábado, 17 de novembro de 2012

Robocop: O Policial do Futuro


Mais que um clássico da Sessão da Tarde, Robocop: O Policial do Futuro é exemplar da veia criativa e intrépida de seu diretor, o holandês Paul Verhoeven. Quem mais assumiria um filme ultraviolento, repleto de observações críticas a políticas vigentes e ao jeito americano de viver, sendo financiado por um grande estúdio, e sairia impune, ou melhor, consagrado? Só alguém como ele, cujo trabalho mais famoso é este sobre um policial recém chegado à Detroit, reconstruído cyborg após ser massacrado pelo crime organizado local. A cena, inclusive, é brutal, bem ao gosto de Verhoeven, sempre disposto a exagerar (ou seria trazer mais para o real?) os efeitos da violência. Nada de economia no sangue, sendo decapitações e outras atrocidades visuais também parte do cardápio.

Assim que renasce – em ótima cena subjetiva, onde o olhar digital substitui a visão orgânica, o policial Alex Murphy vai às ruas, trazendo status e dinheiro a seus criadores. Mesmo resolvendo delitos, enlevando a moral dos locais, está longe de virar solução definitiva. Combatentes da delinqüência continuam sofrendo em seus expedientes, sendo expurgados moralmente das jurisdições. A maioria crê numa greve como forma de chamar atenção para as precárias condições de trabalho nas ruas infestadas de marginais. O discurso de Robocop: O Policial do Futuro é, assim, político na essência e possui clara postura anti-neoliberalismo, já que a polícia falida de Detroit é administrada por uma corporação particular de interesses além do bem estar da população. Na verdade, ela se alimenta do crime para alavancar uma obra de total remodelação urbana, é claro, vantajosa financeiramente.

Mas há também em Robocop: O Policial do Futuro, além desse fundo politizado, a marcante dualidade de Murphy. Quando descobre quem é, em meio a fraturadas reminiscências de sua condição, surge a necessidade de vingança (instinto puramente humano) contra Clarence Boddicker, o líder da gangue que quase o levou à morte. Esqueçamos dos efeitos puramente catárticos das desforras estilizadas com frequência por Holywood, nas quais, findas as missões, restam os falsos sentimentos de dever cumprido. É óbvio que Robocop busca uma “descarga” proporcionada pelo sofrimento de quem o fez padecer, mas sua condição aponta, sobretudo, à necessidade de libertar-se enquanto indivíduo, logo que se descobre um. Matar para efetuar essa reparação devolve a Robocop algo de humano, no fim das contas.

Paul Verhoeven é um grande diretor, disso não há dúvida. Sua maneira de arquitetar a natureza política do filme, não o sufocando com panfletos e imperativos, tornando-o acessível e profundo, é própria daqueles que procuram ampliar mensagens e não segmentá-las. Notem como ele utiliza sabiamente o recurso do telejornal para apresentar o mundo que circunda os personagens da trama. Prestem atenção, também, na re-humanização gradativa de Murphy, em seu trajeto doloroso atrás do homem que nunca mais voltará a ser. Atentem, ainda, para as múltiplas camadas, sobretudo aquelas que interligam ação e drama. Robocop: O Policial do Futuro é mais um filme notável de Paul Verhoeven, artista de genialidade muitas vezes confundida (talvez por miopia) com banalidade.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

Um comentário:

  1. Olá, Celo!
    Está aí um filme que gostaria de rever.
    Lembro que, quando pequeno, adorava o filme, apesar de o achar triste. Vagamente, recordo de um robô com rosto humano, um rosto amargurado, alvo e cheio de dor. Uma hora dessas eu o revisito.

    Abraçosss

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