sábado, 22 de dezembro de 2012

Scanners – Sua Mente Pode Destruir


Como um filme ruim pode ser tão bom? É possível algo rudimentar e simplista ser, de fato, instigante e delicioso de assistir? Tais indagações sobrevieram à sessão de Scanners – Sua Mente Pode Destruir, um dos cults do cineasta canadense David Cronenberg. A trama curiosa dos telepatas nascidos em experiências de laboratório só poderia dar liga pelas mãos de alguém que investiga o bizarro com talento e constância. No filme, Cameron Vale é cooptado pela empresa ConSec para dar fim à tirania de Darryl Revok, assim como ele, um desses sobre-humanos chamados scanners. A insurreição precisa ser freada, e ao protagonista resta infiltrar-se para miná-la internamente.

Há algumas observações muito interessantes nesse universo tipicamente cronenberguiano. Os scanners prescindem de qualquer esforço corporal, utilizando suas carcaças como sustentáculo do que realmente importa e faz diferença: a mente. Como parar um revoltoso capaz de manipular seus censores, levando-os até mesmo ao suicídio (ou seria homicídio?)? Os sistemas prisionais comuns tiram a liberdade pelo encarceramento, mas o que fazer quando o confinado transcende limites físicos? Há de se exaltar, da mesma forma, a encenação proposta, o climão acentuado pelo engenhoso uso do som, os ótimos efeitos especiais e a vanguardista maquiagem.

Paralelo aos méritos, porém, sobram inconstâncias e clichês em Scanners – Sua Mente Pode Destruir: o vilão caricatural, a mulher que ajuda o “mocinho” (elo frágil entre ele e seu algoz), o desvelar dos questionamentos como torrente sem força, entre outros. O filme é uma espécie de cartão de visitas do que Cronenberg viria a conceber com maestria, não indo mais longe por se ressentir de desenvolvimento coeso e soluções menos batidas. Então, repito, como um filme ruim, ainda assim, pode ser bom?

Quando há extremado talento, como no caso de David Cronenberg, até mesmo em realizações tortas abundam lampejos magistrais que teimam em contradizer chavões e obviedades. Alguns momentos geralmente não salvam o todo, mas em se tratando de Scanners – Sua Mente Pode Destruir, como ficar alheio, por exemplo, à visceralidade da ligação psíquica homem/máquina (premonição?) ocorrida em dado momento, e mesmo ao bloco final que, a despeito de sua inocuidade enquanto manifestação (e fraco justamente pela revelação “sem peso”), traz inesquecível duelo psíquico, cujas maiores vítimas são, vejam só, os corpos?


Publicado originalmente em Papo de Cinema

3 comentários:

  1. Sim, sempre os corpos Marcelo. Cronenberg é um "viciado" em biologia, anatomia humana.. .
    Parabéns pelo texto!! Deve ser muito punk escrever sobre Scanners!

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  2. Carol, essa obsessão do Cronenberg pelo corpo é algo que se manifesta muito nos filmes dele, né?

    Certamente "Scanners", mesmo com todas as fragilidades que possui, é um filme interessantíssimo.

    beijão

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  3. Olá, Celo!
    Mais um comentário para marcar minha passagem por aqui.

    Abraços

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