quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Elefante Branco


Estamos em Buenos Aires, porém longe de Puerto Madero ou das ruas arborizadas em Palermo. Elefante Branco, mais recente filme do diretor Pablo Trapero, mantém-se numa paisagem que em nada lembra cartões postais ou catálogos turísticos: a Villa Virgem. Nesta terra dominada pelo narcotráfico e com os mesmos problemas das nossas tão conhecidas favelas, o único raio de esperança é a presença dos padres e de uma assistente social. Juntos, eles tentam trazer dignidade a famílias que moram sob precárias condições. Fosse brasileiro, Trapero seria acusado de inserir-se no filão favela-movie, termo pejorativo que pegou por aqui após a onda de filmes ambientados nas periferias das metrópoles.

Todo trabalho do padre Julián, interpretado pelo onipresente (e ótimo) Ricardo Darín, é um verdadeiro teste para os nervos e a fé de quem seja. Ele é ajudado por Luciana (Martina Gusman, esposa do diretor), mulher combativa que igualmente enfrenta intempéries no desempenho de sua função. Completando o trio fundamental, o padre Nicolás, personagem do ator Jérémie Renier, colaborador contumaz dos irmãos e cineastas Jean-Pierre e Luc Dardenne, aqui num registro pujante.  E o elefante branco do título? Carcaça do que seria o maior hospital da América Latina, edificação abandonada provavelmente como efeito da corrupção, então moradia de mais de 300 famílias e núcleo da Villa Virgem.

Trapero nos coloca nesse mundo doente de miséria com a câmera seguindo pessoas quase sempre de costas, trafegando por vielas, becos enlameados e bocas de fumo. Quando nos damos por conta, já estamos imersos na vizinhança, familiarizados com nativos e forasteiros, estes em missão. Ao ampliar as preocupações sociais de seu filme anterior, Abutres, o diretor mostra-se cada vez mais disposto a fazer do cinema uma testemunha das adversidades enfrentadas por muitos de seus conterrâneos. Ele arquiteta personagens, mesclando suas tragédias pessoais (doença e um amor proibido) com a realidade que buscam modificar. A desenvoltura narrativa permite ao filme passar longe de algo rançoso.

Em Elefante Branco os padres parecem única solução, pois suas atividades são avalizadas por moradores e traficantes. Não fossem os colarinhos clericais (por vezes a batina), e os párocos poderiam muito bem passar por voluntários sem qualquer ligação mais direta com Deus. A inserção dos sacerdotes na trama diz mais respeito à pontuação de uma constante em países religiosos, também alusão aos pastores bíblicos que zelam por seu rebanho, e menos a eventuais elogios à conduta da igreja. O amor surgido entre Luciana e Nicolás, percurso arriscado que poderia desvirtuar a história, serve para tumultuar ainda mais o homem em dúvida, sobretudo a respeito da passividade e da fé resignada, quase premissas de suas vestes e cargo. Filme-denúncia, sim, mas com gente de carne e osso, não pura representação ideológica.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

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