Esqueçamos os muitos defeitos de
HITCHCOCK, desde a escalação, no mínimo sem critério, da altiva Helen Mirren
para interpretar Alma Reville, esposa de Hitch, passando pelo tempo gasto com
as preocupações conjugais do diretor, indo até as “intromissões” projecionais
do assassino que inspirou Psicose. O
filme de Sacha Gervasi é salvo pela curiosidade intrínseca ao personagem
principal e a essa fase específica, quando, em meio a turbulências, ele rodou o
longa protagonizado por Norman Bates. Assim, mesmo precisando saltar esses
obstáculos que ameaçam desvirtuar nossa atenção, HITCHCOCK é imperdível, ainda
mais aos fãs do chamado Mestre do Suspense. A cena na qual ele rege
virtualmente a plateia tal maestro, durante a famosa cena do chuveiro, é genial
e vale nossa condescendência com as passagens fracas.
Hanna Arendt foi uma das mais
importantes filósofas políticas do século XX. Discípula de Heidegger, com quem
manteve relação amorosa, ela sacudiu as instâncias acadêmicas e do entendimento
geral sobre o holocausto após escrever uma série de artigos polêmicos abordando
determinado julgamento e a possível colaboração de líderes judeus à causa
nazista. HANNA ARENDT já seria minimamente interessante por apresentar a
história dessa mulher cuja reflexão longe do esquematismo e da retórica fácil
se instaurou na vanguarda da compreensão de uma época. Some à força da figura
histórica, a habilidade da diretora Margarethe Von Trotta, que consegue
apresenta-la com a austeridade própria dos mais ferrenhos pensadores, sem com
isso desconsiderar sua profunda admiração pela humanidade no que ela tem de
mais complexo. HANNA ARENDT nos ganha pela substância da palavra e dos
personagens.
Todo filme é uma peça de
propaganda. Alguns deixam mais explícito esse caráter ideológico, presente até
nas mais “inofensivas” produções. SOY CUBA foi realizado com ajuda dos
socialistas russos, a fim de ser ode à revolução cubana. Num primeiro momento,
salta aos olhos o trabalho genial do diretor de fotografia Sergei Uruseysky,
tanto na utilização da luz, quanto na composição dos quadros. Feito de pequenas
histórias que oferecem panorama multifacetado dos movimentos sociais cubanos de
então, SOY CUBA é uma obra-prima, pois utiliza a beleza da imagem com
propriedade, a favor da trama e de um ideário evidente. O filme de Mikhail
Kalatozov consegue, ainda que não sem demonizar o americano em oposição à
“miséria” do povo da ilha, impor-se como cinema de conceitos contundentes,
ancorados da mesma maneira na forma e no conteúdo.
Como o próprio título já deixa
claro, INFIDELIDADE trata de uma traição, mais precisamente de caso extraconjugal
cujas consequências são nefastas tanto para Connie (Diane Lane) a mulher
enredada por um jovem vendedor de livros, quanto para Edward (Richard Gere), o
marido de orgulho arranhado que perderá o habitual controle após descobrir-se
enganado. O moralismo paira sobre a trama, afinal de contas tudo aponta à
condenação da esposa que cedeu à tentação e com isso arruinou o sossego da
família. Contudo, essa facilidade de atribuir responsabilidades sem pesar
devidamente nuances e particularidades, não abranda a sensualidade e o suspense
do filme, bases de seu interesse maior. As cenas de sexo são intensas (e
excitantes) e, paralelizadas à desconfiança crescente do personagem de Gere,
dão ao filme forte relação entre desejo e perigo, elementos em constante
movimento alternado de repulsa e atração.
UM DIA ESPECIAL, exibido
recentemente no Rio de Janeiro, dentro da mostra Assim
Vivemos, poderia muito bem ser outro filme simplesmente debruçado sobre
síndromes como o autismo, asperger, entre outras. Saindo do viés científico e
entrando no humanista, o diretor Yuri Amorim direciona a câmera às mães dos
sindrômicos, à luta diária, e muitas vezes solitária, de mulheres que suprimem
a própria individualidade em prol dos filhos. Há relatos dos mais variados e a cobertura de diversos estratos sociais,
direções que tornam ainda mais ampla a exposição. Por outro lado, Yuri elege
pontos de convergência, aproximando pessoas de entornos muito diferentes, mas
que comungam na dor e nas pequenas vitórias dos filhos. Deixando de lado as
questões técnicas e práticas, como o aspecto de vídeo e certa pobreza na
utilização dos cenários, UM DIA ESPECIAL é para circular e ser visto, pois, a
despeito dessa ingenuidade enquanto cinema, se sobressai no registro de amores incondicionais, circunscritos numa realidade distante dos edulcorados contos de fadas.
Boa, Celito!
ResponderExcluirValeu pela leitura, Rafa.
ResponderExcluirAbraços