A OUTRA se insere na vertente
dramática de Woody Allen, cineasta mais conhecido do grande público por meio
das obras cômicas, entretanto com igual talento para investigar os infortúnios
humanos. Gena Rowlands interpreta uma cinquentona profissionalmente bem
resolvida que entra em sua maior crise existencial após ouvir, por acaso,
sessão de análise no apartamento ao lado do escritório onde tenta escrever.
Allen utiliza esse meio intelectualizado, de pessoas racionalmente estáveis (na
superfície), para mostrar as rachaduras emocionais surgidas mesmo ali, onde, a
priori, tudo estaria sob controle. Em enxutos 77 minutos, o nova-iorquino
constrói um drama pesado, repleto de observações contundentes acerca das certezas
inabaláveis e seus, também a priori, insuspeitos pontos de fraqueza.
Quem mais, a não ser Woody Allen,
pensaria num plano de roubo induzido por hipnose como mote de filme cômico? O
ESCORPIÃO DE JADE se passa nos anos 1940, aliás, época que Allen gosta de
revisitar. Ele mesmo interpreta o detetive que vive às turras com a colega
recém-contratada para modernizar a seguradora. Os dois são hipnotizados,
passando, então, a atuar sob as ordens do Escorpião de Jade, astuto bandido que
menciona no telefone as palavras “Constantinopla” e “Madagascar” para ter os
dois como ladrões à sua disposição. O ESCORPIÃO DE JADE é comumente tido como
exemplar menor na filmografia de Woody Allen, mas defendo seus méritos, pois comédia
de costumes bastante inteligente e que toma por pretexto os roubos a fim de
estimular o amor com aparência de ódio existente entre C.W. Briggs e Betty Ann
(Helen Hunt).
Em ALMAS DESESPERADAS, Marilyn
Monroe despe-se da aura de símbolo sexual vulnerável que tanto lhe rendeu fama,
para assumir o papel de uma mulher emocionalmente perturbada por trauma amoroso
do passado. Contratada babá no mesmo hotel onde o tio trabalha de ascensorista,
ela flerta com um homem desiludido pelo eminente fim do namoro com a cantora do
local, e não tardará a recebê-lo no apartamento onde deveria apenas cuidar da
menina Bunny. O que se desenrolará é uma sequência de acontecimentos fortuitos, em grande parte ocasionados pela loucura da personagem de Marilyn, num filme de
crescente pungência à medida que a protagonista passa do torpor ao desatino.
A primeira cena de OS SUSPEITOS
mostra um “sacrifício” com a suposta anuência de Deus. Aliás, religiosidade e
crença (favor, não confundi-la com fé) são elementos fundamentais à estreia em
Hollywood do canadense Dennis Villeneuve, longa pesado e tenso onde o sequestro
das crianças não passa de pretexto para trazer à tona geralmente o pior da
natureza dos personagens. Em meio ao elenco muito bem conduzido, Hugh Jackman e
Jake Gyllenhaal se destacam, um enquanto pai que transita entre o desespero e a
selvageria, e o outro na pele do policial incumbido da investigação. Ligeiramente
prejudicado pela prolixidade e o excesso de reviravoltas, OS SUSPEITOS ainda
assim é admirável, um thriller que permite poucas vezes nossa desatenção.
KICK-ASS 2 é tão violento e
divertido quanto seu antecessor. Pessoas criam alteregos para lutar contra o
crime cotidiano, inspirados pela figura de Kick-Ass, jovem estudante disfarçado
para dar algum sentido à vida. Do outro lado, o mal também aspira à estilização
dos quadrinhos, e então surge Mother Focker, o supervilão. A linguagem de
KICK-ASS 2 é interessante, pois fruto de um hibridismo entre o meio original
(HQ) e o cinema. A ação continua repleta de sangue, há apontamentos sobre
responsabilidade e crescimento, bem como questões referentes à própria
proliferação da violência via signos da chamada cultura pop. Na vida real o
heroísmo pode assumir muitos disfarces, não necessariamente fantasias
multicoloridas. Claro, as deixas para o terceiro são inevitáveis, mas por que
não, se os dois primeiros são tão legais de ver?
Muito boa a seleção do Doses :)
ResponderExcluirFalando de A Outra...acho que eu sinto falta quando o W. Allen faz esses dramas mais pesados, como vc qualificou. Na verdade, prefiro ele dirigindo um drama do que uma comédia mascarada de drama.
KickAss dá vontade de ver depois de ler seu texto.
Oi, Carol
ResponderExcluirEu também gosto muito dos dramas que o Woody Allen dirigiu, como SETEMBRO, INTERIORES, MATCH POINT, entre outros. Também me agradam bastante as comédias, sobretudo quando ele próprio protagoniza, mas certamente nos dramas ele consegue ir além dos bons diálogos e das tiradas inteligentes.
Sobre KICK-ASS, eu acho os filmes legais, têm uma linguagem bastante voltada aos adolescentes, sem por isso soar infantilizado ou algo assim, como muitas das produções recentes que perseguem essa fatia do público se apresentam. Não sei se é bem o tipo de filme que você vai gostar (hehehe), mas vale conferir, sem dúvida.
beijos
Muito bom, Celito! O "Doses Homeopáticas" é ótimo.
ResponderExcluirGrande abraço.
Valeu, Rafa, pela leitura e pelo apoio de sempre.
ResponderExcluirAbraços