segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Doses Homeopáticas #13


Gostei de O LOBO DE WALL STREET, mas devo confessar que senti falta do Scorsese mais violento e menos engraçado. Por que a ascensão de Jordan Belfort e sua posterior queda são contadas com um bom tanto de ironia, que, às vezes, descamba para uma zombaria responsável por diluir um pouco o asco a esses magos de Wall Street que fazem piada e graça com o dinheiro alheio.  As três horas de duração passam rápido, méritos do bom roteiro de Terence Winter e da montagem repleta de pequenos truques de Thelma Schoonmaker. Do elenco ótimo, se destacam Leonardo Di Caprio e Jonah Hill, o primeiro num desempenho notável, surtado como dita o tom da direção; já o segundo em outro trabalho que afirma um talento já não mais emergente, pois concreto. Repito, O LOBO DE WALL STREET é muito bom de ver, tem tiradas excelentes, mas nele inexiste aquele senso de perigo real e imediato que ronda a todos em outros filmes de Scorsese.


12 ANOS DE ESCRAVIDÃO encara corajosamente tensões raciais ao abordar o verídico caso de Solomon Northup, escravo liberto que em 1841 foi sequestrado e se viu novamente vítima do trabalho forçado. O cineasta Steve McQueen, nessa que é sua terceira obra, combina a crítica social contida no primeiro filme, HUNGER, com o estudo minucioso de personagem visto no segundo, SHAME. 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO ganha peso tanto por mostrar a selvageria direcionada aos escravos quanto por delinear cinematograficamente Solomon, um homem que ao longo de mais de uma década teve de esconder sua identidade, sua cultura, para sobreviver em meio a tanta brutalidade. 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO é uma realização importante, necessária, pois, para além de promover uma leitura imprescindível no que diz respeito à escravatura, mostra o lado mais sórdido do único animal que, enquanto amparado pela lei, maltrata seus semelhantes sem dó nem piedade.


Li por aí que TRAPAÇA é como se fosse um filme de Martin Scorsese, só que com adoçante, ou algo assim. A definição me parece ideal, pois, para começar, a trama centrada em dois trambiqueiros forçados a cooperar com um agente do FBI remonta aos anos 1970, aqueles mesmos em que Scorsese deitou e rolou falando de gângsteres e outros bandidos. Mas David O. Russel, por mais talentoso que seja, faz, no máximo, um bom filme, divertido de ver, contudo frouxo e falso o suficiente para que não levemos nada muito a sério. O que TRAPAÇA tem de melhor são as atuações, principalmente as de Christian Bale, Bradley Cooper e Amy Adams. Não à toa, quando o roteiro do próprio Russel os dispersa em momentos solo, quem perde é o filme. Outro ponto alto é a trilha sonora, repleta de músicas que ajudam a nos jogar direto à época retratada. Enfim, TRAPAÇA é legal, mas bem inferior à atenção que vem recebendo.


Parece um futuro longínquo, mas não devemos estar muito distantes da realidade mostrada em ELA, novo filme de Spike Jonze. Para sobreviver, o protagonista Theodore (Joaquin Phoenix) escreve cartas à mão, ditando-as a um computador, num paradoxo que choca dois tempos, afinal de contas o futuro é nostálgico. Ainda na fossa pelo término do casamento, Theodore se apaixona por Samantha, seu sistema operacional. Ninguém, além da ex-mulher, estranha o fato, de resto corriqueiro numa era em que as pessoas passam mais tempo ensimesmadas do que interagindo. Ao passo que Samantha evolui enquanto “ser”, o relacionamento mantido à irremediável distância ditada por leis incontornáveis enfrenta seus dilemas, pena para seguir contra as tormentas. Qual a diferença entre amar alguém palpável e alguém dotado “apenas” de consciência? O amor pode prescindir do corpo, do toque, da carícia além da imaginada? ELA parece um longa sobre alguém incapaz de lidar com emoções reais. Mas o que há de “irreal” nesse amor? Responder – ou não, apenas pensar sobre – essa pergunta, pode nos dar a chave para entender o que Spike Jonze quis dizer nesse filme tão simples quanto complexo. Outro paradoxo.


Jean-Claude Brisseau divide A Vida como Ela É, seu filme de estreia, em duas partes. Na primeira, a jovem Agnès sai de casa e se depara com uma Paris suburbana repleta de crimes, suicídios, isolamento, entre outras dificuldades. Na segunda, a protagonista experimenta um verdadeiro calvário feito de calúnias e coação no trabalho, após ser eleita representante sindical. A ideia, parece, é na costura das partes apresentar um painel desolador da então vida social parisiense longe dos pontos turísticos, em muito alimentada por um sistema de trabalho opressor, cujo patriarcalismo é enraizado de tal maneira que escanteia a mulher às tarefas burocráticas menores. A encenação é um tanto precária, as situações carregam em si o tom da denúncia, de uma militância às vezes evidente demais, gritante como o sangue que tinge o quintal do apinhado conjunto habitacional em que Agnès mora. Na verdade, em A Vida como Ela É  as ideias se sobressaem ao resultado, ainda muito cru.

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