Gostei de O LOBO DE WALL STREET,
mas devo confessar que senti falta do Scorsese mais violento e menos engraçado.
Por que a ascensão de Jordan Belfort e sua posterior queda são contadas com um
bom tanto de ironia, que, às vezes, descamba para uma zombaria responsável por diluir
um pouco o asco a esses magos de Wall Street que fazem piada e graça com o
dinheiro alheio. As três horas de
duração passam rápido, méritos do bom roteiro de Terence Winter e da montagem
repleta de pequenos truques de Thelma Schoonmaker. Do elenco ótimo, se destacam
Leonardo Di Caprio e Jonah Hill, o primeiro num desempenho notável, surtado
como dita o tom da direção; já o segundo em outro trabalho que afirma um
talento já não mais emergente, pois concreto. Repito, O LOBO DE WALL STREET é
muito bom de ver, tem tiradas excelentes, mas nele inexiste aquele senso de
perigo real e imediato que ronda a todos em outros filmes de Scorsese.
12 ANOS DE ESCRAVIDÃO encara
corajosamente tensões raciais ao abordar o verídico caso de Solomon Northup,
escravo liberto que em 1841 foi sequestrado e se viu novamente vítima do
trabalho forçado. O cineasta Steve McQueen, nessa que é sua terceira obra,
combina a crítica social contida no primeiro filme, HUNGER, com o estudo
minucioso de personagem visto no segundo, SHAME. 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO ganha
peso tanto por mostrar a selvageria direcionada aos escravos quanto por delinear
cinematograficamente Solomon, um homem que ao longo de mais de uma década teve
de esconder sua identidade, sua cultura, para sobreviver em meio a tanta
brutalidade. 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO é uma realização importante, necessária,
pois, para além de promover uma leitura imprescindível no que diz respeito à
escravatura, mostra o lado mais sórdido do único animal que, enquanto amparado
pela lei, maltrata seus semelhantes sem dó nem piedade.
Li por aí que TRAPAÇA é como se
fosse um filme de Martin Scorsese, só que com adoçante, ou algo assim. A
definição me parece ideal, pois, para começar, a trama centrada em dois
trambiqueiros forçados a cooperar com um agente do FBI remonta aos anos 1970,
aqueles mesmos em que Scorsese deitou e rolou falando de gângsteres e outros
bandidos. Mas David O. Russel, por mais talentoso que seja, faz, no máximo, um
bom filme, divertido de ver, contudo frouxo e falso o suficiente para que não
levemos nada muito a sério. O que TRAPAÇA tem de melhor são as atuações,
principalmente as de Christian Bale, Bradley Cooper e Amy Adams. Não à toa,
quando o roteiro do próprio Russel os dispersa em momentos solo, quem perde é o
filme. Outro ponto alto é a trilha sonora, repleta de músicas que ajudam a nos
jogar direto à época retratada. Enfim, TRAPAÇA é legal, mas bem inferior à
atenção que vem recebendo.
Parece um futuro longínquo, mas
não devemos estar muito distantes da realidade mostrada em ELA, novo filme de
Spike Jonze. Para sobreviver, o protagonista Theodore (Joaquin Phoenix) escreve
cartas à mão, ditando-as a um computador, num paradoxo que choca dois tempos, afinal
de contas o futuro é nostálgico. Ainda na fossa pelo término do casamento, Theodore
se apaixona por Samantha, seu sistema operacional. Ninguém, além da ex-mulher,
estranha o fato, de resto corriqueiro numa era em que as pessoas passam mais
tempo ensimesmadas do que interagindo. Ao passo que Samantha evolui enquanto
“ser”, o relacionamento mantido à irremediável distância ditada por leis
incontornáveis enfrenta seus dilemas, pena para seguir contra as tormentas.
Qual a diferença entre amar alguém palpável e alguém dotado “apenas” de
consciência? O amor pode prescindir do corpo, do toque, da carícia além da
imaginada? ELA parece um longa sobre alguém incapaz de lidar com emoções reais.
Mas o que há de “irreal” nesse amor? Responder – ou não, apenas pensar sobre –
essa pergunta, pode nos dar a chave para entender o que Spike Jonze quis dizer
nesse filme tão simples quanto complexo. Outro paradoxo.
Jean-Claude Brisseau divide A Vida como Ela É, seu filme de
estreia, em duas partes. Na primeira, a jovem Agnès sai de casa e se depara com
uma Paris suburbana repleta de crimes, suicídios, isolamento, entre outras
dificuldades. Na segunda, a protagonista experimenta um verdadeiro calvário
feito de calúnias e coação no trabalho, após ser eleita representante sindical.
A ideia, parece, é na costura das partes apresentar um painel desolador da
então vida social parisiense longe dos pontos turísticos, em muito alimentada
por um sistema de trabalho opressor, cujo patriarcalismo é enraizado de tal
maneira que escanteia a mulher às tarefas burocráticas menores. A encenação é
um tanto precária, as situações carregam em si o tom da denúncia, de uma
militância às vezes evidente demais, gritante como o sangue que tinge o quintal
do apinhado conjunto habitacional em que Agnès mora. Na verdade, em A Vida como Ela É as ideias se sobressaem ao resultado, ainda
muito cru.
Parabéns, Celo, muito pertinentes seus textos.
ResponderExcluirGrande abraço.
Valeu, Rafa.
ResponderExcluirAbraços