sábado, 25 de janeiro de 2014

Juan dos Mortos


Zumbis são mortos-vivos que agem apenas por instinto, pois privados de racionalidade. Sua base metafórica serve com frequência ao cinema para exemplificar questões político-sociais.  Sendo assim, a Cuba socialista, mesmo 50 anos após o levante que erigiu Fidel Castro e companhia ao poder, é o cenário ideal (ao mesmo tempo improvável) para as tais criaturas, exatamente como alusão a sistemas de governo, comportamentos coletivos e traços de quem vive sob a égide de um regime contrário ao capitalismo dominante. Coube ao diretor Alejandro Bruqués realizar o primeiro filme de zumbis ambientado e produzido na Ilha, nele fazendo graça sobre o embargo, a ideia fixa do êxodo, peculiaridades do próprio povo cubano, entre outros.

Estamos no inconfundível terreno do Filme B, por mais que a tecnologia digital tenha amenizado as tosqueiras que o caracterizavam (e davam charme) noutros tempos. Juan dos Mortos se insere na tradição do gênero terrir, mescla de terror e comédia. Seu protagonista é Juan, um típico (e tipificado) terceiro-mundista que vive de pequenos trambiques e atividades esparsas.  Tudo corre bem em Havana até que pessoas começam a se comportar de maneira estranha, comendo carne humana e vagando sem rumo. O que seriam eles? Dissidentes contratados pelo império americano, segundo noticiam os meios de comunicação locais. A epidemia cresce, pessoas morrem aos montes, e o que Juan e seu amigo Lázaro resolvem fazer? Ganhar dinheiro abrindo um serviço chamado “Juan dos Mortos – Matamos seus entes queridos”.

Tudo é visto pela ótica de Juan e de seus companheiros, incluindo aí o já mencionado amigo, o jovem que mimetiza arquétipo norte-americano, o travesti histriônico, o homenzarrão que não suporta ver sangue e a filha desgarrada, com quem o protagonista quer reatar laços em meio ao caos. Não há qualquer ranço no desenrolar de Juan dos Mortos, filme feito para rir da própria desgraça, por assim dizer. A direção se preocupa basicamente em ampliar o efeito cômico das sequências, deixando às entrelinhas do roteiro algo sobre a dimensão social de um país sob o efeito de sua história revolucionária. O diretor não poupa compatriotas, cujos estereótipos – sobretudo comportamentais – fundamentam os personagens.

Entre mortos e feridos (tsc), Juan dos Mortos busca um público mais bem-humorado que aquele aferrado à verossimilhança ou ao patriotismo radical. Não deveria ser tachado de “alienado”, mas também não convém buscar nele mais profundidade que as próprias ações e palavras explicitam. São raros os subtextos, pois tudo vem à tona (verbal e visualmente) numa galhofa banhada pelo sangue dos “dissidentes” e de alguns “inocentes”. Gostar ou não vai muito do “espírito” de cada um. A meu ver, Juan dos Mortos é uma bobagem divertida, turbinada com a consciência política dos que cresceram embalados por décadas de insurreição e sobrevivência. 


Publicado anteriormente no Papo de Cinema

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