O novo filme de Pedro Almodóvar é
seu retorno à comédia, gênero pelo qual ganhou notoriedade no fim dos anos 1980. Claro, antes disso já se estabelecia
gradativamente como um dos artistas de cinema mais originais de sua geração, porém,
verdade seja dita, foi apenas depois do humor cáustico e rasgado de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos
que ele ganhou projeção global e se tornou grife do dito cult. Os Amantes Passageiros
é, antes de qualquer coisa, resgate das raízes cômicas da obra almodovariana, onde comportamentos
sexuais assumiam o protagonismo dentro de conjunturas inusitadas, quando não
esdrúxulas.
Almodóvar filma Os Amantes Passageiros quase todo em
estúdio, reproduzindo o interior de um avião no qual a trama de desenrola. As participações especiais de Antônio
Banderas e Penélope Cruz, no início, servem apenas para criar o artifício que
detonará a problemática, pois eles se esquecem de retirar algumas travas dos
trens de pouso da aeronave, o que fatalmente levará a futuro pouso de
emergência. McGuffin puro, como bem
ensinou Alfred Hitchcock, um dos mestres da arte cinematográfica, já que esse
recurso narrativo de aparente importância na verdade serve tão e somente como
alimento da tensão, e olhe lá. Deflagrado o erro, a tripulação coloca a segunda
classe para dormir com relaxantes musculares enquanto procura entreter os
poucos pagantes da ala executiva.
A equipe da companhia Península é
formada, basicamente, por dois comandantes (um bissexual e outro aparentemente
heterossexual) além da trinca impagável de comissários homossexuais: Joseserra
(Javier Cámara), Ulloa (Raúl Arévalo) e Fajas (Carlos Areces). Aliás, as
melhores cenas de Os Amantes Passageiros
são protagonizadas por esses comissários, incluindo aí o mais hilário número
musical do cinema recente, cover de I'm
so excited, do The Pointer Sisters.
Completam a galeria de personagens principais: um casal em lua de mel, a
ex-atriz e ex-cantora (agora sadomasoquista paranoica), um homem misterioso, o
ator às voltas com suas desventuras amorosas, o executivo prestes a ser preso
por corrupção e a vidente virgem que fareja morte. E dá-lhe situações bizarras
em meio ao caos regado por álcool, drogas e excitação.
Em Os Amantes Passageiros quase tudo gira em torno do sexo e de
questões acerca da sexualidade. Almodóvar pinta com suas frequentes tintas
berrantes não apenas o cenário, mas também o comportamento desavergonhado dos
que não escondem taras e vícios. A meu ver, só há um sério ponto cego no filme,
quando o ator interpretado por Guillermo Toledo liga à esposa (Paz Vega) e
acaba conversando com outra mulher, numa subtrama desinteressante e
descartável. No mais, Os Amantes
Passageiros é ótima comédia com ritmo e tiradas escrachadas, feita para rir
sem contraindicações. Ainda que aquém da genialidade vista em alguns longas
recentes do diretor espanhol, é muito fiel à graça de espírito libertário do
Almodóvar de outrora que, convenhamos, andava fazendo falta.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
A comédia de Almodóvar é deliciosa. Mais um para a lista.
ResponderExcluirAbraços
Andava fazendo muita falta mesmo!!! Concordo!!
ResponderExcluirAdoreiii esse filme!