quinta-feira, 19 de junho de 2014

2001 - Uma Odisseia no Espaço


No começo reina a selvageria. Homens pré-históricos dão os primeiros passos rumo à evolução fundada na dominação do mais fraco e na conquista territorial, ambas tão caras a nossa espécie. O osso, fragmento do animal morto para saciar a necessidade do alimento, transforma-se em arma ao prolongar o corpo do agressor que mata o semelhante para mostrar superioridade. É a lei do mais forte. Numa das grandes transições do cinema, Stanley Kubrick transforma o fêmur numa nave, elipse responsável por nos jogar da aurora do homem à era dos descobrimentos extra-atmosféricos. O futuro está no espaço, nas estações repletas de inovações, no desvendamento do cosmos e de seus mistérios.  2001 – Uma Odisseia no Espaço aborda o universo, desde os primórdios até a primazia tecnológica, utilizando viés metafísico.

O futuro de Kubrick soa avançado atualmente. Parece que, embora progridamos ancorados nos saberes oriundos da ciência, há certas questões indecifráveis como, por exemplo, o monolito negro, espécie de enigma à mercê da subjetividade, pois destituído de valor objetivo. Tratado tal indício de vida inteligente fora da Terra, o objeto emite fortes sinais de rádio, ondas de comunicação entre estações tão distantes fisicamente quanto próximas numa dimensão desconhecida. Já que o mesmo surge também aos primatas no início, talvez simbolize ponte entre realidades temporalmente distintas, cujas interfaces estão justamente naquilo que nos define, isso para além de mero instrumento de propagação.

Hall 9000, inteligência artificial à frente de missão ao planeta vermelho, investe contra seus colegas de trabalho ao sentir-se ameaçado, vítima de conspiração. Por ser inumano e, mais ainda, cria nossa, esperamos dele submissão. O computador ataca, é vencido e sente medo (ou não) ante a morte. Não sabemos se ele possui emoções genuínas ou apenas respostas a uma programação prévia. O forte sentido de sobrevivência do ser inorgânico pode muito bem relacionar-se com nossa necessidade primal de evitar a falência por meio da subjugação do outro. Dentro dessa lógica, matamos simplesmente para não morrer, ou seja, a crueldade seria algo inerente à raça, bem como aos derivados que nos mimetizam. Hall 9000 agoniza, primeiro porque o homem lhe incutiu o medo da finitude e segundo por fenecer justo nas mãos do homem. O “Deus” da máquina não aceita rivais, por isso pune com a morte.

A obsessão de Kubrick, o centro como ponto de convergência, atinge ápice em 2001 – Uma Odisseia no Espaço. O visual bastante particular confere ao longa estabilidade conceitual, esta, paradoxalmente, minada pela encenação. Dentro do mundo harmônico de Kubrick, da imagem inequívoca e controlada, abundam questões de cunho filosófico/existencial que lançam tudo num breu proposital, onde as perguntas buscam validade em si, prescindindo das respostas, ou melhor, de definições taxativas. Provavelmente não há filme empenhado na mesma medida em investigar a essência como 2001 – Uma Odisseia no Espaço, levando em consideração, para isso, desde o remoto passado da irracionalidade, do instinto enquanto conduto de ações, até a era da razão, das inovações de uma civilização tão ignorante sobre a complexidade do “ser”, quanto eram seus ancestrais primatas. 


Publicado originalmente no Papo de Cinema

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