sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Doses Homeopáticas #38


BIRDMAN é uma guinada e tanto na carreira de Alejandro Gonzáles Iñarritu, ele que se notabilizou, principalmente, pelos filmes-coral em parceria com o roteirista Guilhermo Arriaga. Aqui temos o ator, ex-intérprete de um super-herói, que busca no teatro a verdadeira arte, ou simplesmente voltar aos holofotes. Birdman, o alterego, atua como uma espécie de consciência sempre a lembrá-lo de sua mediocridade sem o uniforme de homem-pássaro. A câmera não para, passeia pelas coxias, pelo palco, atravessa as janelas para ganhar a rua, numa montagem invisível que dá a sensação de plano-sequência. O que se vê parece ora delírio, ora realidade. Michael Keaton e Edward Norton têm atuações dignas de prêmios, o primeiro como protagonista, e o segundo na pele de um ator instintivo e imprevisível. Há reflexões sobre arte, celebridades, o mundo do entretenimento, mas também abordagens acerca da melancolia, dos desvãos da vida, das oportunidades aproveitadas e das perdidas. Um filme diante do qual, a despeito do simples gosto/não gosto, não se pode ficar neutro. Já é muita coisa.


Nos anos 1970, filmes-catástrofe ambientados em aviões viraram febre, principalmente em virtude do sucesso da franquia Aeroporto. Como não poderia deixar de ser, Hollywood deu um jeito de parodiar o subgênero, e um dos melhores longas dessa leva satírica é APERTEM OS CINTOS, O PILOTO SUMIU. Nele, Ted é um veterano de guerra, traumatizado e apaixonado por uma aeromoça. Durante o voo no qual boa parte da trama se desenrola, uma indisposição generalizada nocauteia muitos passageiros, além da tripulação. Só o protagonista pode aterrissar o avião, não sem antes lidar com o piloto automático inflável, um médico interpretado por Leslie Nielsen – por aí já dá pra ter uma ideia do quanto o doutor ajuda na calamidade – e seu próprio trauma. Ver um besteirol desses, relativamente antigo, que sabe usar texto e imagem para fazer rir, nos deixa a impressão de que nem uma boa bobagem o cinemão sabe fazer hoje em dia.


SANTIAGO é uma obra, primeiro, sobre a impossibilidade. João Moreira Salles, o diretor, não conseguiu acabar o filme que tentou realizar anteriormente sobre o mordomo de sua família. Voltando anos depois ao material bruto, encontrou um viés complementar (senão principal): documentar também o trajeto errático que o fez desistir outrora. Das reflexões, às vezes confissões, surge uma realização que não apenas consegue exumar o próprio cinema enquanto fábrica de ficção – mesmo em se tratando do gênero documental – como também abraçar a complexidade do personagem principal e capturar resquícios das lembranças do narrador que, assim, faz da memória um antídoto, ainda que não infalível, à transitoriedade. Santiago evoca seus mortos, a aristocracia que catalogou durante a vida, enquanto João Moreira Salles reflete sobre seu papel de diretor, mostrando a busca pela imagem ideal, pelo plano plasticamente perfeito, pela fala mais adequada. Assim, entre reminiscências e a tentativa de encontrar uma identidade artística e pessoal, há um filme raro, dos nossos melhores.    

Um comentário:

  1. Birdman não estreou por aqui, e penso que não o fará. O jeito? Ah, dá-se um (ou mais). Santiago é uma obra-prima, daquelas que ficam com a gente e têm o poder da mutação: crescem, melhoram, apresentam novas facetas e fazem o mesmo aqui dentro, no íntimo, no particular de cada um de nós.

    Grande abraço.

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