sábado, 28 de fevereiro de 2015

Doses Homeopáticas #39


O personagem principal de WHIPLASH não quer ser qualquer baterista de jazz, sua intenção é figurar entre os melhores, portanto o caminho não é fácil. Abandonar praticamente todo o resto em virtude desse sonho (vaidade?) é decisão sua, e a pretensão lhe cobra um preço. E quem aparece para mostrar a ele o quão cara pode ser essa dívida é o maestro da escola onde estuda. Uma nota fora do tom significa substituição, horas de prática adicional, sem contar as humilhações sofridas. Estão aí, frente a frente, dois tipos que encontram de maneira torta complemento no outro, já que a obsessão de um alimenta o sadismo do outro, e vice-versa. São cenas e mais cenas de tortura psicológica, de xingamentos, de sangue escorrendo pelas baquetas, etc. Alguns podem até ver no personagem de J.K. Simmons uma espécie de vilão, alguém desprezível, e em contrapartida se compadecer do sofrimento do jovem que aspira grandiosidade. Mas, a cena final, aliás uma das melhores da atual temporada, mostra insuspeita cumplicidade numa troca de olhares, como se eles, cada qual em sua trincheira, entendesse a necessidade do comportamento do outro, entre frustrações e a sordidez, mostrando que não há mocinhos e bandidos nesse filmaço.  


AMOR, PLÁSTICO E BARULHO é boa parte sobre a ascensão de uma menina à fama no circuito brega nordestino, boa parte sobre o início do processo de decadência de sua colega mais velha, e outro tanto (provavelmente a parte mais significativa) sobre a própria estética brega, conectada pela câmera no cotidiano do nordeste. Renata Pinheiro em seu longa de estreia estuda os corpos, a relação deles entre si e com o espaço, buscando a identidade cultural de um povo. O ídolo brega não habita um olimpo de entrada permitida apenas para poucos. Ele está ali, no dia a dia, convivendo com seus fãs, tomando cerveja no mesmo bar, arranjando inspiração nas coisas que acontecem com os vizinhos, nos amores que vêm e que vão. Maeve Jinkings mostra porque hoje é uma das grandes atrizes do cinema nacional. A cena dela cantando Chupa que é de Uva em meio a lágrimas de frustração é uma das melhores. Há ecos de A Malvada, de Joseph L. Mankiewicz, mas o que pesa para que o filme se desprenda de qualquer comparação e/ou influência, ganhando vida própria, é a singularidade com a qual escrutina um fenômeno cultural sem tirar dele o essencial, ou seja, o elemento humano.


Não há qualquer coisa fora do lugar em CASABLANCA, um dos grandes filmes do cinema norte-americano, talvez seu maior milagre, tendo em vista a caótica produção, pelo que se sabe hoje em dia. A intriga política da trama é o pano de fundo que adiciona ainda mais tensão ao caso de amor mal resolvido entre os personagens de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. As Times Goes By é aquela canção doída, que reaproxima o americano dono de um bar em Casablanca, no Marrocos, e a bela sueca que partiu seu coração. Contudo, mesmo que esse amor não tenha futuro, Rick e Ilsa sempre terão Paris, as lembranças anteriores à ocupação nazista, o idílio que passaram nos braços um do outro. O par romântico do filme de Michael Curtiz é tido até hoje, mais de setenta anos depois, como um dos memoráveis da história do cinema. O roteiro afiado alterna momentos de descontração e seriedade, os personagens são carismáticos (mérito, principalmente, do excelente elenco escalado) e a direção é discreta, na medida em que não chama atenção para si própria, porém primorosa. Isso tudo fica ainda mais evidente depois que a gente assiste ao filme em tela grande, um verdadeiro presente.   

Um comentário:

  1. CASABLANCA é arrebatador do começo ao fim. Não lembro de outro filme com diálogos, quase todos, tão bem afiados. Um dos grandes. E sempre será.

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