segunda-feira, 2 de março de 2015

CINEMA A DOIS | JIM JARMUSCH – Ghost Dog: Matador Implacável (1999)


Vivido por Forest Whitaker, o protagonista de Ghost Dog: Matador Implacável é um dos mais interessantes criados por Jim Jarmusch. Simples, com menos idiossincrasias, embora ainda assim bastante consistente. Assassino contratado, ele utiliza as artes marciais e é leal ao seu mestre Louie, mafioso que lhe salvou a vida. O filme se desenvolve em torno de um duelo. De um lado, Ghost Dog e sua arte samurai, códigos e preceitos. Do outro, os mafiosos que atuam cruelmente, mas também com ética e rigor. Há entre eles respeito e admiração, ingrediente generosamente adicionado por Jarmusch.

Os pontos altos do filme, os mais metafóricos e sensíveis, se dão na interação de Ghost Dog com dois personagens: Pearline, garotinha a quem ele empresta o livro Rashomon, e o francês Raymond, vendedor de sorvete que não fala uma palavra de inglês, mas que consegue, de alguma maneira, entender e fazer-se entender. Os três mantém cumplicidade, quase um pacto inconsciente, no qual cumprem funções como num ciclo complementar da vida.
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O protagonista de Ghost Dog: Matador Implacável guia sua conduta pelo Hagakure, livro de sentenças sobre as atitudes do vassalo perante o soberano, escrito por Yamamoto Tsunetomo, samurai nascido em 1659 e falecido em 1719. Esse personagem de Forest Whitaker se assemelha ao bando antagonista do qual seu “mestre” faz parte, pois, assim como ele, também segue um estrito código moral. Gângsteres e samurais são tipos anacrônicos. Os remanescentes vivem o crepúsculo de uma era, período semelhante àquele em que os guerreiros japoneses e sua cultura definhavam frente aos novos tempos.

Jim Jarmusch parte desse protagonista, cujas expressões facial e corporal sobrepujam a verbal, não para criar um conto moralista ou algo que o valha. O que importa é como as coisas vão se desenrolando a partir da perspectiva desse solitário que compreende a morte como uma presença constante e natural. Ghost Dog: Matador Implacável transpõe a essência da retidão samurai para uma realidade atual e ocidental, personificando-a nessa figura negra (isto posto, sobretudo, por ele carregar algo da cultura afro-americana) que, assim como os soldados orientais de outrora, prefere morrer a viver em desonra. Ou seja, Ghost Dog é um outsider, exatamente por ser ético.

Por Ana Carolina Grether e Marcelo Müller

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