sábado, 15 de agosto de 2015

Doses Homeopáticas #48


LIFE ITSELF é uma bela homenagem a Roger Ebert, um dos críticos de cinema mais respeitados dos Estados Unidos. Sem apego à progressão cronológica, o documentário entrelaça suas histórias familiares, os primórdios da escrita e da edição muitas vezes implacável, a ascensão enquanto crítico de cinema e a doença que lhe tirou a voz, mas não o ímpeto de expressar-se. Não estamos naquele terreno da homenagem pura e simples a quem se foi. Alguns entrevistados, mesmo admiradores confessos, fazem questão de dizer que ele nem sempre era de bom trato, muitas vezes se vangloriando de feitos como forma de ganhar alguma vantagem, sobretudo se desafiado por um interlocutor à sua altura. Gene Siskel, com quem dividiu um famoso programa de televisão e teve amizade repleta de rivalidade, talvez tenha sido o maior de seus “oponentes”. Numa época em que questionamos constantemente a importância da crítica, na era da proliferação dos blogs, é inspiradora a trajetória de Roger Ebert, profissional que, adaptando-se aos novos tempos, fez da internet uma tribuna para difundir opiniões e ideias acerca não apenas do cinema, mas da vida como um todo.


MONSTER conta uma história de tristeza e violência. Tristeza, por conta da vida miserável que a protagonista leva, trabalhando como prostituta de beira de estrada em troca de migalhas. Lee quer ser alguém, sentir-se amada, o que acontece quando encontra uma menina quase tão desamparada quanto ela, com quem engata um relacionamento intenso, porém instável. Violento, porque a personagem de Charlize Theron entra numa sequência de assassinatos. Começa com um cliente que a estupra e tenta matá-la, mas estende isso a todo e qualquer homem que lhe dá carona em busca de sexo barato. Evidências do passado ajudam a entender essa mentalidade prejudicada, o desespero que leva alguém a atos extremados. Theron está impressionante na pele da mulher que mais parece um animal ferido. A atriz renuncia à própria beleza, à sensualidade que lhe é inerente, para dar vida a essa pessoa surrada pela vida, cujo sexo é explorado como meio de sobrevivência. Apenas com a namorada, a protagonista tem momentos de ternura, nos quais consegue aproveitar o prazer que seu corpo pode proporcionar. Tratada como mostro, Lee é vista, pela abordagem da diretora Patty Jenkins, como um fruto compreensivelmente apodrecido de um meio degradado.


O CIDADÃO DO ANO começa como típica jornada de vingança do homem comum que pega em armas para fazer justiça com as próprias mãos. O diferencial, em princípio, é a paisagem tomada de neve e a violência que não faz muita cerimônia para aparecer, muitas vezes nua e crua. Nada de muito original acontece até que os primeiros sinais de humor apareçam. A graça se infiltra até virar parceira inseparável da barbárie. Essa relação singular só não é mais interessante porque o humor nem sempre surge num bom tom. O antagonista, por exemplo, histriônico e cheio de trejeitos, figura quase cartunesca, é um pavão posto ali propositalmente para destoar dos mafiosos mal encarados. A ideia é boa, de acordo com o registro adotado, mas nem sempre funciona, já que o diretor se atém demais às suas idiossincrasias, não estabelecendo uma relação menos banal entre ele e o todo. Quando as coisas ficam mais definidas, ou seja, a partir do momento em que entendemos que não é para se levar tudo aquilo muito sério, contrariando os belos e contemplativos planos iniciais do caminhão abrindo espaço nas estradas repletas de neve, fica mais fácil curtir. Estranho, ora no bom, ora no mal sentido, o filme de Hans Petter Moland opta pelo deboche para, de alguma maneira, amplificar a violência inerente ao cenário desenhado.

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