domingo, 25 de outubro de 2015

Doses Homeopáticas #51


Em LA VIE DE BOHÈME há um forte contraste entre o discurso erudito dos três artistas (um músico, um pintor e um escritor) e a condição de pobreza em que eles vivem. Aki Kaurismäki filma na França, em preto e branco, com Jean Pierre Leaud, Samuel Fuller e Loius Malle fazendo pontas. De alguma maneira, é uma homenagem ao próprio cinema, à arte que resiste (mas nem sempre) ao estado das coisas, aos ditames do mercado, aqui simbolizados pela dificuldade desses três homens inteligentes para encontrar seus lugares no mundo. Um chumaço de poesias antigas é sacrificado para aquecer a mulher amada que treme de frio ao lado do fogão apagado pela falta de condições. Kaurismäki, que geralmente faz seus personagens experimentarem a tragédia e/ou a tristeza antes da redenção final, antes que a centelha de esperança apareça para iluminar o horizonte, aqui direciona a trama para um final não tão feliz, melancólico, que desvia de possíveis alegrias. Como de costume, seus personagens são pessoas generosas, meio alheias ao cinismo e à desconfiança, gente que procura, embora nem sempre consiga, fazer o bem. Há bastante humor, o contumaz viés satírico, e um tom carregado de tristeza que vai se insinuando até não deixar muito espaço para outras sensações. No fim, o companheirismo é a única a saída para aplacar as dores de viver, seja o dos amigos ou mesmo do fiel escudeiro canino.


O SÉTIMO SELO é sempre lembrado pela imagem do cavaleiro jogando xadrez com a morte, certamente uma das mais emblemáticas do cinema. Contudo, o filme não se resume a isso. Ao voltar das cruzadas, o protagonista encontra uma terra assolada pela peste, em plena decadência. Apela para Deus, questionando seu silêncio. Ele encontra uma trupe circense, artistas que levam entretenimento e ludicidade àquelas pessoas que estão frente a morte. A cena da apresentação sendo interrompida pela caravana dos flagelados é de uma força tremenda. Os cânticos alegres são substituídos pelas lamúrias e gemidos do povo que mutila o corpo para pretensamente purificar a alma. Os desígnios de Deus são igualmente postos em xeque pelo cavaleiro, um homem atormentado, regresso de uma missão santa com requintes de crueldade. É um filme de forte apelo visual, ambientado num passado remoto em que a religiosidade e a fé eram ainda mais importantes para a formação do povo e o andamento da sociedade. Em meio aos artistas, que driblam os caprichos da morte valendo-se da arte, o personagem de Max Von Sydow encontra um pouco de paz, antes que a inevitável ceife sua existência, dançando com ele e seus amigos no horizonte o bailado da eternidade.



VAMPIROS, de John Carpenter, é protagonizado por um badass, como dizem os norte-americanos. James Woods interpreta esse cara que não se intimida diante do Vaticano e nem mesmo frente ao mestre supremo dos vampiros que está na sua cola. Pode-se tentar extrair de tudo que acontece até algum subtexto, mas o filme vale exatamente pelo que mostra, pela maneira envolvente com a qual nos inteira da rotina dos caçadores que fuçam em covis de chupadores de sangue para exterminar essa raça de predadores da face da Terra. Há muitos buracos no roteiro, algumas simplificações no que diz respeito à trama propriamente dita, mas elas são completamente supridas pela maneira irresponsável (no bom sentido) com que os fatos vão se sobrepondo, se atropelando. A supremacia da forma fica evidente. Pouco importa se o vampiro mestre podia ou não aproveitar-se da ligação com a prostituta recém-mordida, assim como ela se aproveita, ou se, no fim das contas, esse vilão cai rápido e fácil demais. Relevante ali é ver esse mundo sendo delineado na tela, numa trama protagonizada por um cara que remonta aos cowboys durões do western de antigamente. Não é uma crítica à igreja, embora o apontamento esteja ali. É uma diversão inteligente, daquelas que fazem uma falta danada hoje em dia no nosso circuito combalido.

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