segunda-feira, 17 de maio de 2010

Entrevista: Woody Allen










Woody Allen em Tudo Pode dar Certo, O Sentido da Vida (ou a falta dele) e a Atração pelas Mulheres Jovens
Scott Foundas, 18 de junho de 200 (Village Voice)
Tradução: Conrado Heoli

O novo filme de Woody Allen, “Tudo Pode dar Certo” – seu 40º para aqueles que continuam contando – marca um retorno para o cineasta em mais de um sentido. Para começar, é seu primeiro filme a ser filmado em Nova York desde Melinda e Melinda, de 2004, interrompendo meia década de férias européias das quais o septuagenário Allen dirigiu três filmes em Londres e um na Espanha. Ele também marca a realização de um projeto concebido inicialmente em 1970 como veículo para Zero Mostel, posteriormente deixado de lado após a morte precoce do ator. O resultado é uma comédia burlesca leve – um trabalho menor, mas emitentemente prazeroso de Allen – estrelado pelo gênio de “Seinfeld” e “Curb Your Enthusiasm” Larry David como Boris Yellnikoff, um professor de física ateu, egocêntrico e misantropo que tem seu desprezo pela raça humana diminuído quando conhece uma bela e avoada sulista (Evan Rachel Wood), que ele encontra quando está engatinhando em baixo das escadas do fundo de seu apartamento.

Allen está atrasado numa tarde de verão de maio, quando eu apareço em sua sala de edição no Upper East Side [em Nova York], escondida modestamente atrás de uma porta nomeada como “Manhattan Film Center” no subsolo de um prédio residencial. É aqui que Allen monta todos os seus filmes, os exibe (e exibe outros) em uma sala verde de veludo à prova de som, audiciona atores para seus próximos projetos (e sempre há um próximo projeto), e de vez em quando recebe alguém. Nas duas outras ocasiões em que eu vim até aqui para entrevistá-lo os resultados nunca foram menos que surpreendentes, com Allen dialogando com sinceridade e leveza sobre seus filmes e sobre a matéria cósmica que pesa sobre sua alma. E hoje não é exceção, enquanto Allen aparece em sua habitual blusa de botões em tom pastel, sua calça caqui e um sapato bem usado, pede desculpas por seu atraso, e começa a falar lentamente sobre o sentido da vida (ou a falta dele), o problema com atores e a atração pelas mulheres jovens.

Village Voice: O título “O Que Quer que Funcione” [tradução literal de Whatever Works, lançado no Brasil como “Tudo Pode dar Certo”] sugestiona uma filosofia de vida, mas também uma ética de trabalho. Em outras palavras, se você fizer um filme por ano, como você faz, você não pode se permitir sentar e esperar pela chegada das musas.

Woody Allen: Eu nunca fui alguém que esperou pelas musas, pois meu pano de fundo é a televisão. Quando eu comecei, nós costumávamos escrever shows, e se você estiver escrevendo para Gary Moore ou Sid Caesar – independente de quem for – você tinha que ter um show. Era ao vivo. Quando você chegava em uma segunda de manhã, você tinha que pensar em algo. Você não podia esperar por inspiração, você apenas tinha que fazer. Então eu me acostumei com isso, e posso continuar fazendo isso até hoje. Eu posso entrar em um quarto e, ainda que não surja sempre algo bom, eu posso produzir algo. Eu penso sim que é uma ética. Ela mantém você longe do prejuízo. Se você trabalha, isso mantém você distraído. Isso faz com que você não pense em si mesmo muito, sobre quão terrível você é, sobre quão bom você é. Isso é certamente depressivo.

Eu tenho utilizado muito esta comparação: com deficientes mentais em uma instituição, eles dão para eles serviços de tecelagem, pinturas com o dedo e coisas assim para se fazer, porque o ato de trabalhar com suas mãos é sadio e terapêutico. É a mesma coisa com o ato de se fazer um filme, que é um produto artesanal. Você tem que escrevê-lo, você deve sair e filmá-lo, então nós viemos até aqui e montamos o filme e inserimos música nele. Por um período de tempo, você tem duas recompensas: você tem a recompensa da distração – você não pensa sobre o mundo externo, e você está direcionado para problemas solucionáveis, e se eles não são solucionáveis, você não morre por conta deles. E então, se é o filme correto, você poderá viver em uma falsa realidade por alguns meses. Então se eu estou fazendo um filme como “A Rosa Púrpura do Cairo” ou “Tiros na Broadway” ou “Todos Dizem Eu Te Amo”, por vários meses eu passo a viver com mulheres lindas e homens brilhantes e eles têm trajes, e os sets são bonitos. É uma forma muito agradável de desperdiçar sua vida.

VV: É engraçado que você menciona esses filmes em particular pois, como eles, “Tudo Pode Dar Certo” parece uma fantasia. Os personagens e a história possuem sentimentos pesados e exagerados.

Allen: Certo, é um conto caricato. A mãe, o pai – todo mundo nesse filme é caricato.

VV: Eu também me lembrei de dois de seus filmes mais recentes, “Match Point” e “O Sonho de Cassandra”, ambos que também relacionam sorte, chances e a aleatoriedade da vida, além de “Tudo Pode Dar Certo” ser um roteiro que você escreveu há mais de 30 anos. Quando nós conversamos na época de lançamento de “Match Point”, você disse, “Você está sempre procurando por controle e, no final, você está em baixo de um piano suspenso implorando para que ele não caia na sua cabeça.”. E aqui há uma cena em que uma pessoa cai de uma janela na cabeça de outra pessoa!

Allen: A mesma obsessão que eu tive quando eu comecei, eu tenho agora. Eu estive em análises, eu fui bem sucedido, eu tive altos e baixos. Eu tive alguns filmes de sucesso, filmes que falharam. Mas com tudo que aconteceu comigo, todas as minhas experiências, eu nunca fui hábil para resolver o real problema da vida que atormenta qualquer escritor desde Eurípides e Aristófanes. Nenhum progresso foi feito nos temas existenciais e na subjetividade das relações pessoais, que ainda são brutas, dolorosas, frágeis e muito difíceis de fazer funcionar, e que causam em todos um gigante sofrimento e pesar. Porque estamos aqui? Qual é o sentido de tudo isso?

Considere a questão de Camus [em “A Pertinácia de Sísifo”] de se cometer ou não suicídio. Agora, mesmo as pessoas mais amargas racionalizam que, no caso de Camus, ele sente como se estivesse empurrando uma pedra morro acima, qual o sentido disso, sua validade e que você não tem que ser bem sucedido. Mas eu sinto – respondendo a questão do porque nós não nos matamos desistindo de uma vida sem sentido, sem a existência de um deus – que é uma questão pré-intelectual, e que seu corpo responde para você. Sua mente nunca será capaz de dar a você uma justificativa convincente para viver sua vida, pois por um ponto de vista lógico, se sua vida é realmente sem significado – o que é – e não há nada lá fora, qual é o sentido disso? Bem, o sentido é simplesmente que você fica com muito medo de terminá-la porque você é duro, está em seu sangue viver e querer viver e querer proteger a si mesmo. Então, enquanto eu estou em casa tagarelando sobre como a vida é sem sentido e cruel, brutal e sem qualquer propósito, se há um incêndio em minha casa, eu tomo medidas extremas para salvar minha vida. E então quando eu tiver salvado minha vida, eu direi a mim mesmo: “Porque você se preocupou em fazer isso?”.

VV: Mesmo com os moldes de personagens antissociais e desagradáveis que você escreveu no passado, incluindo os que você mesmo interpretou em “Igual a Tudo na Vida” e “Desconstruindo Harry”, Boris parece estar um passo à frente.

Allen: Você sabe, em um ponto eu estava pronto para chamar esse filme, quando eu escrevi ele inicialmente, como “Zero, O Pior Homem no Mundo”. Eu pensei que seria um personagem engraçado – um cara que é a quintessência da misantropia e que não pode se encaixar, não quer se encaixar, rejeita tudo, não é apenas alguém que pode lidar com a vida ou que quer lidar com ela. Ele não a aceita: ele acredita que o fato de ser mortal é inaceitável. Ele não pode concordar com as regras da vida. Os personagens que eu interpretei em outros filmes estavam certamente na mesma direção, mas não tão extremamente como eu quis criar o personagem de Boris.

VV: Você, em algum ponto das três décadas passadas, considerou interpretar o personagem?

Allen: Não, pois quando eu pensei em Zero eu pensei nele como um papel para um homem gordo. Eu pensei nele como um físico gordo e agressivo, um russo genial do xadrez que não tem tempo para “micróbios” e “minhocas”. E eu não pude fazer isso. Minha fonte de comédia é mais vítima – eu me encontro assustado quando eu ouço um barulho no outro quarto, esse tipo de coisa. Esse cara era grandioso. Eu estava com dificuldades de encontrar pessoas que poderiam interpretá-lo agora, e então a Juliet Taylor [diretora de elenco] mencionou Larry, com quem eu havia trabalhado de forma breve anteriormente e que conhecia de “Curb Your Enthusiasm”. Mas pareceu para mim que ele não poderia interpretá-lo, porque no seu programa televisivo ele é muito autêntico. Ele não é exagerado ou possui uma postura falsa. É claro, ele me disse várias vezes que não poderia fazê-lo, que ele não era ator, isso e aquilo, então eu soube que ele seria ótimo. Por que ele é do tipo da Diane Keaton, que diz o quão ruim é e que sempre chega lá. São aqueles que dizem a você que são maravilhosos que nunca chegam lá.

Pessoas que podem atuar são naturais. Ao longo dos anos, eu conheci e trabalhei com pessoas que estudaram por todos os lugares, e se eles tivessem talento natural seria ótimo. Se eles não tivessem, o fato deles terem estudado não significa nada. Eu tirei caras das ruas – literalmente das ruas – que vieram trabalhar e, quando eles falavam, eles eram inconscientemente autênticos. Entretanto, com um monte de atores profissionais, eles chegam até mim por um papel e nós conversamos como estamos fazendo agora, e eles são bons. Então, eles estudam o papel e entram no seu modo de atuação, e tudo sobre eles repentinamente deixa de ser autêntico. Eles acreditam que precisam fazer algo para o material ou eles não estão justificando seus pagamentos. Então eles começam a atuar, e você não quer que eles atuem; você apenas quer que eles falem. Se eles supostamente devem ser um vendedor, você quer que eles sejam um vendedor como você reconhece um vendedor. Mas eles não são. Eles passam a imitar um vendedor.

VV: A verdadeira revelação no filme, eu acredito, é Evan Rachel Wood, que teve papeis fortes em um inúmeros filmes mas que não teve uma oportunidade de interpretar essa espécie ingênua e maluca dos anos 30.

Allen: Eu nunca havia ouvido falar nela, e minha esposa disse “você deveria procurar essa garota Evan Rachel Wood, pois eu a vi em um ou dois filmes e ela é apenas incrível!”. Então alguns dias depois, Santo Loquasto [diretor de arte] estava falando comigo e disse exatamente a mesma coisa. Então eu a analisei e percebi que ela era uma atriz memorável – complicada e sombria, realmente excepcional. Eu não sabia se ela poderia fazer comédia ou não. E então ela fez e foi incrivelmente boa. Eu disse a ela, “É uma garota sulista, você deverá fazer um sotaque sulista”, e ela não faria para mim, não me mostraria até filmarmos. Agora, eu me identifico com isso. É arriscado, pois se ela não pudesse fazer eu estaria em sérios problemas. Mas ela fez, e fez incrivelmente.

Por outro lado, Ed Begley Jr. [que interpreta o pai de Wood] não tinha ideia que ele seria solicitado a fazer um sotaque sulista. Ele veio à Nova York, pegou seu figurino, veio ao set. A primeira tomada que filmamos no filme era com ele, e ele não tinha ideia. Eu disse “Você sabe que irá interpretar com sotaque sulista. Você faz um sotaque sulista, certo?”. Ele disse “Bem, eu acho que posso.”. Eu disse “Ok, pois eu acredito que você soubesse isso quando leu [o roteiro].”. Mas ele não sabia, e ele simplesmente fez. Tanto para todo esse meticuloso preparo.

VV: Tanto para O Método.

Allen: Eu estava com uma japonesa ontem, que estava na cidade fazendo entrevistas pois “Vicky Cristina Barcelona” está estreando no Japão. Ela me perguntou de quais filmes recentes eu gostei e eu mencionei “O Casamento de Rachel”, que é um filme do qual eu gostei muito. Ela disse que havia entrevistado Jonathan Demme e que ele disse que era a primeira vez que ele filmava sem ensaio, e claro que todo mundo no filme estava incrível e é um filme incrível. Eu, por outro lado, nunca fiz ensaios. Eu apenas acho que eles não são necessários. E então, há diretores – grandes diretores, como Ingmar Bergman – que ensaiavam e ensaiavam. Eu não saberia o que fazer em um ensaio. Quando eu estava em “Cenas em um Shopping” de Paul Mazursky, ele fez ensaios extensos, e ele era um cara maravilhoso e um diretor maravilhoso, mas eu pensava que aquilo era um saco na época. Eu pensava “Como você tem paciência para isso?”, mas é a forma como ele trabalha. Eu apenas nunca pensei por um minuto nisso antes, até o ponto em que um ator chega ao set sem saber que ele deve fazer um sotaque sulista. E sim, eu poderia ficar muito traumatizado se ele dissesse “Oh, eu não sei fazer um sotaque sulista, Eu apenas posso fazer um. Se você precisar do britânico, ótimo, mas eu não posso fazer o sulista.”. Então eu tive sorte por esse lado, de não ter entrado em uma catástrofe. É a mesma coisa com uma cena que tenha muita ação física. Eu trabalho com o câmera e trago o ator sem ensaio e digo “Comece aqui e vá até lá e pegue um cigarro e então venha para cá”, e 99% do tempo isso é exatamente o que ele faz e fica bom. Em algum momento alguém dirá “Eu não sei o que estou fazendo aqui. Eu me sentiria melhor caminhando para a janela.”. E eu sempre direi “Então caminhe para a janela.”.

VV: O filme sugere que Boris se redime, fica humanizado de certa forma, por seu encontro com esta garota bem mais nova, e você próprio disse que encontrou felicidade com sua esposa, Soon-Yi, e que você nunca imaginara que encontraria isso com uma coreana mais jovem que não tinha relação alguma com a indústria cinematográfica.

Allen: Na ficção, isso era um tema ainda em “Manhattan”, isso com essa pessoa jovem presumivelmente mais inocente – antes que eles fossem estragados pelo mundo – esse alguém pode encontrar certa felicidade. Eu tinha muita boa sorte, pessoalmente, nesse sentido, mas esta sempre foi uma ideia minha voltada ao passado. Mesmo a Annie Hall [de “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”], se você pensa dessa forma, era uma espécie de garota ingênua de Chippewa Falls, que era jovem e viera para Nova York e não sabia nada e era uma completa caipira, rude, com todas as expressões coloquiais mas com o pensamento de que ela se tornaria uma mulher madura. Naquele tempo, ela representava para mim o mesmo tipo de vigor.

VV: Quando falamos no ano passado, você estava prestes a vir para Los Angeles para dirigir sua primeira opera, “Gianni Schicchi”, de Puccini, e você brincou dizendo que fugiria da cidade rapidamente antes que alguém tivesse a chance de te acusar e rir de você por causa disso.

Allen: Eu saí no final para que fosse uma experiência agradável, pois eu estava cercado por pessoas talentosas. O elenco era maravilhoso, eu não os escolhi, eles me deram o elenco. O condutor era ótimo. Era simplesmente um prazer. E, obviamente, eu estava trabalhando com um material que era incrível. Era a primeira vez que eu dirigia algo que não era meu, então eu poderia me devotar diretamente com a direção. Eu não tive que escrever e constantemente corrigir problemas de escrita. Isso é o que eu faço todo o tempo em meus próprios filmes. Eles estavam sempre em um roteiro original, e eles estavam cheio de erros. Não é como um show da Broadway, onde eu monto fora da cidade. Com um filme é assim, então eu estou reescrevendo constantemente e corrigindo, ajudando e ajustando. Aqui, Puccini tem uma pequena obra-prima em termos de música e história, então tudo o que eu tinha de fazer era montá-la. Agora, é uma ópera curta, e eu não penso que poderia fazer Aida com os elefantes.

VV: Há algo que você possa dizer sobre o filme que você está preparando para filmar no próximo verão, outro que se passa em Londres novamente e é protagonizado por Naomi Watts?

Allen: Você sabe o elenco completo, certo? Anthony Hopkins, Feida Pinto, Josh Brolin, Antonio Banderas. O elenco é incrível. É uma comédia dramática, eu posso te dizer isso. É um filme cômico, mas no modo de “Vicky Cristina Barcelona” ou “Hannah e Suas Irmãs”. Não é cômico como Bananas. Dessa vez é real, com um lado sério, mas espero que tenha uma grande soma de gargalhadas. Espero que tenha.


A entrevista acima é uma tradução integral da conversa publicada entre Foundas e Allen, e o conteúdo original você encontra
aqui.

sábado, 15 de maio de 2010

Direito de Amar

Direção: Tom Ford
Roteiro: Tom Ford e David Scearce, baseado em livro de Christopher Isherwood
Elenco: Colin Firth, Julianne Moore, Nicholas Hoult, Matthew Goode, Jon Kortajarena

Os detratores dizem que Tom Ford, estilista renomado que agora resolveu virar diretor de cinema e debuta com este filme, atendendo a um chamado de seu passado como profissional de moda, deu estilo demais à Direito de Amar. A jornada de um homem (interpretado de maneira sublime por Colin Firth) que, oito meses após a morte de seu companheiro, não conseguindo mais vislumbrar um futuro, decide se matar, é retratada com muita classe e estilo. Palavras estas que se aplicam tanto à forma como ele filma, ou seja, como esta história se transporta ao cinema, quanto à execução do ponto de vista fashion, a moda da qual Ford tanto entende. Isto não é ruim, pelo menos não a meu ver. Optar por um registro onde os penteados são perfeitos, os cortes de cabelo devam ter custado uma fortuna, em que tudo é muito bonito, faz parte de uma opção, aliás, como qualquer elemento fílmico e, como visto em algumas opiniões, uma opção arriscada, que pode afastar o espectador mais avesso a esta maquiagem da dita realidade.

Quanto a minha percepção, acredito que Direito de Amar seja beneficiado por toda esta aura de beleza, por esta estilização que flerta com o over. É uma espécie de espelho inverso, onde a beleza surge como couraça para sujeitos destruídos internamente, como se aquilo, aquela estética apurada, servisse, pelos personagens, para amenizar seus dramas internos, suas pequenas tragédias. Isto fica bem explícito numa cena em que Juliane Moore inicia de penteado impecável e, conforme vai se desestabilizando emocionalmente, ele, o penteado, vai desmantelando, deixando ele meio que caricata, como se a beleza construída, vamos dizer assim, artificialmente não fosse páreo para a feiúra de um espírito em pedaços.

Direito de Amar me agradou. Parece-me que Tom Ford tem talento, é um homem de sutilezas e várias delas tornam o filme mais interessante. Não se precisa dizer tudo, pelo menos não diretamente, e é por esta cartilha que o novato diretor se guia, muito bem por sinal. Há cenas de rara beleza emocional, além de diversas homenagens ao cinema, como uma aluna “Briggite Bardou”, um michê “James Dean” e os olhos de Janet Leigh, num imenso cartaz de Psicose, numa das cenas mais poéticas do filme. O único senão, e que, por mais que seja único, acaba diluindo bastante a intensidade do relato introspectivo de George, é a maneira como o diretor, do meio para o final, vai dando ao espectador a noção de que há outras pessoas, próximas a George, que são como ele, que sofrem igualmente. Neste momento do filme, George passa a dividir nossa atenção com outros personagens, o que o enfraquece. Levando em consideração que Direito de Amar é um filme guiado pelo personagem central, digamos que a narrativa toda se perde em essência por conta disso. Não é pouco, tira de Ford a possibilidade de ter estreado com um filme mais coerente, mais poderoso. Não sei ainda se gosto do final. Não consegui captar bem a intenção, mas tendo a achar que a inevitabilidade surge como punição desnecessária a um personagem que não teve chance de se arrepender.


sábado, 8 de maio de 2010

A Fita Branca

Direção: Michael Haneke
Roteiro: Michael Haneke
Elenco: Christian Friedel, Ernst Jacobi, Leonie Benesch, Ulrich Tukur, Ursina Lardi, Burghart Klaußner, Steffi Kühnert, Josef Bierbichler

As raízes do mal são estudadas pelo austríaco Michael Haneke em seu mais novo filme, A Fita Branca, vencedor da última edição do Festival de Cannes. Como a narrativa se passa num vilarejo no interior da Áustria, podemos analisar que a diegese de Haneke também versa (objetivando aqui um pouco) sobre a origem do nazismo ou mesmo acerca da gestação de qualquer sistema totalitário. E esta origem se dá, segundo Haneke, por meio da opressão moral e religiosa presente na criação rígida, imposta pelos pais às crianças. Então elas, as crianças, se desenvolvem cheias de dogmas e culpas indevidas. Michael Haneke é um diretor que não opta por caminhos fáceis. Ele não pensa no conforto do espectador na hora de lhe apresentar um filme, uma narrativa como esta, que forma interessante painel com seus filmes anteriores. O austríaco, ciente do poder que o cinema tem, parece querer sempre tirar dos personagens seus lados mais sombrios, mostrando que o mal está constantemente a espreita, que basta uma semente mal regada, um descuido por parte das almas diligentes encarregadas do rebanho de um Deus ausente, para que as piores facetas ganhem a luz. Não se tratam, de maneira alguma, de relatos maniqueístas, de classificações arbitrárias, e sim de mostrar por meio de suas personas apenas o que de fato somos, dúbios, divididos entre bem e mal, sem que estas definições excluam os meios termos, as sombras que ficam entre o claro e o escuro extremos, que cegam com semelhante crueldade.

Utilizando as composições familiares, as relações entre seus integrantes, e relacionando-as com a apreensão generalizada, ocasionanda por uma série de “acidentes” ocorridos no pequeno vilarejo onde transcorre a história, o diretor faz em A Fita Branca um estudo riquíssimo de personagens, de apurado senso ético/estético. O filme causa uma espécie de estranhamento, mesmo aos já iniciados na obra de Haneke e acostumados com seus signos mais caros. É, porém e, sem dúvida, uma obra poderosa, feita por um mestre contemporâneo da arte de filmar, que aqui se apropria de uma belíssima fotografia em preto e branco, além de utilizar brilhantemente o som e os tempos mortos. Há ainda uma gama rica de subtextos e metáforas visuais. Por exemplo, seria o passarinho uma representação nossa, a mercê de um Deus doutrinador que utiliza suas leis para nos aprisionar, para nos admirar em nossa falta de liberdade? Ingmar Bergman me veio à cabeça enquanto via A Fita Branca, pois o sueco parece presente especialmente em instantes nos quais Haneke coloca em cheque a educação cristã, os castigos em nome de um Deus alheio à pureza infantil e, especificamente, numa sequência da humilhação de uma personagem, que se não é copiada, é uma homenagem direta a Luz de Inverno, uma das mais célebres obras de Bergman. Também pensei durante a sessão em Robert Bresson e seu Diário de um Pároco de Aldeia, pelo paralelo possível entre os filmes no que tange a culpabilidade e em como a religiosidade influencia na construção da ideia singular de certo e errado, moral e imoral.

No parágrafo anterior falei de um estranhamento, e ele se dá não bem pela forma como sentimos o tempo passar (afinal de contas num filme de temática tão pesada, construído de maneira tão solene, é normal que sintamos a dolorosa e lenta passagem do tempo) mas pela forma como as histórias familiares se comunicam. Tem-se a impressão, pelo menos eu a tive, de que a força individual de cada núcleo (já que ele é contado quase que de maneira episódica) não se transporta com a mesma intensidade para o todo, ou seja, por vezes ele funciona mais em pedaços. O bom é que estes fragmentos funcionam tanto que a falha na unidade não se sente em demasia, não atrapalha a fruição, deixando apenas um estranhamento que, curiosamente, leva, em seguida, ao sentimento da necessidade de uma segunda visita ao filme. Pois bem, então, mesmo que não seja isento de arestas, A Fita Branca é grande, uma discussão profunda e solene a respeito de temas como o autoritarismo, o questionamento da existência de Deus, entre outros. Repito, imperfeito, mas grande filme.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Entrevista: Terry Gilliam









Com a estreia no país do maravilhoso O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus, decidi inaugurar um novo espaço no The Tramps que há algum tempo idealizo. Nossa seção de entrevistas se inicia com a conversa que Todd Gilchrist, jornalista do Cinematical, teve com Terry Gilliam. O ex-Monty Python fala sobre seu novo filme, carreira, futuros projetos e a participação de Heath Ledger neste que foi seu último filme. A entrevista que segue é uma tradução integral da conversa publicada entre Gilchrist e Gilliam, e o conteúdo original você encontra aqui.


Entrevista: Terry Gilliam
Feita por Todd Gilchrist em 14 de janeiro de 2010

“Eu penso que o problema é que nós estamos vivendo em um tempo com muitas escolas de cinema”, diz Terry Gilliam a mim enquanto eu saia após finalizar uma entrevista para “O Imaginário do Dr. Parnassus”. “Muitas pessoas estão tentando intelectualizar e colocar em palavras simples que todos possam entender.”. Por mais que eu apreciasse a sinceridade de Gilliam, eu não pude evitar de pensar que ele estava se referindo ao menos em parte a mim, que passei a maior parte dos 15 minutos anteriores tentando fazer com que ele explicasse detalhadamente como ele desenvolveu essas maravilhosas e estranhas ideias, e então de alguma forma colocou na tela.

Gilliam esteve trabalhando em cinema por mais de 40 anos, criando algumas das mais incríveis, espetaculares e acima de tudo inexplicáveis imagens que o público jamais havia visto. Infelizmente, no entanto, além de oferecer um retorno à boa forma para o diretor visionário, seu último projeto ficou reconhecido primeiramente como uma homenagem para o grande Heath Ledger, que faleceu durante as filmagens e que teve seu papel eventualmente completo com a ajuda de Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell, que calçaram os sapatos do personagem para filmar suas cenas finais. O Cinematical falou com Gilliam no final do ano passado durante uma coletiva de imprensa para Parnassus e aproveitou para discutir as ramificações do falecimento de Ledger na produção, o iconoclasta puxar de cortina em seu estilo não convencional, e refletiu as quatro décadas de produção cinematográfica – um pouco das quais, seguindo meus maiores esforços, podem ser explicadas ou analisadas intelectualmente.

Cinematical: Talvez apenas para chegar a mais óbvia questão e tirá-la do caminho, sobre o uso de outros atores no papel de Tony, o quanto alterou ou teve de ser alterado após a morte de Heath Ledger?

Terry Gilliam: Nada. Apenas a ideia de uma face alterada. Existiram certas cenas que eu tive de desistir, mas está exatamente como nós escrevemos exceto em uma cena do lado de cá do espelho. Heath não estava entre nós para fazê-la, então eu o puxei para o outro lado do espelho e Jude [Law] a fez com Andrew [Garfield]. Há uma cena quando ele aparece pela primeira vez com Parnassus que nós excluímos inteiramente, mas você não a perde. E era isso, embora existissem algumas pequenas trapaças durante todo o processo para arrumar certas coisas. Então é basicamente o filme que nós nos preparamos para fazer, mais três pessoas extras (risos).

Cinematical: Houve algo que você filmou com o Heath que teve de cortar?

Gilliam: Não. Tudo está ali. Nós não desperdiçamos nenhum momento das coisas de Heath (risos).

Cinematical: A abertura do filme parece ser uma resposta para audiências que desconsideram espetáculos. Foi uma escolha deliberada?

Gilliam: Tudo o que eu faço é reativo. É tudo o que eu estou sentindo sobre o estado corrente do mundo, então há muito disso. Eu penso que existem coisas extraordinárias lá fora e as pessoas não estão prestando atenção. Eles estão muito envolvidos no que seja que eles estão fazendo – bebendo, comprando, jogando seus jogos de Playstation. Há um mundo lá fora: acordem pessoal! E Parnassus está lá e eles não podem ficar contrariados. Eles são como Martin bêbado porque ele apenas está sempre vendo alguma coisa boba e algo que ele possa abusar e tirar vantagem. E ele deve pagar um preço (risos). É um filme onde as pessoas pagam o preço, de novo e de novo.

Cinematical: Quão deliberada é a integração de temas que estão em seus filmes? Por exemplo, você pensa “as pessoas não estão apreciando algumas coisas maravilhosas no mundo” e então constrói uma história ao redor disso? Ou você passa a escrever algo e o tema surge naturalmente?

Gilliam: Bem, muitas coisas surgem durante o processo. Eu não tinha uma história em mente quando comecei isso, era apenas um compêndio de coisas que eu fiz antes, independente de significarem algo ou não. E tínhamos este caminhão de outro tempo aparecendo em uma cidade moderna e ninguém prestando atenção. Isso é literalmente tudo o que tínhamos para começar e então nós começamos a construir personagens e impulsionando a transparência neles. Eu acho realmente engraçado que enquanto eu mais tento falar sobre como nós escrevemos isso eu fico sem saber. Eu não posso me lembrar (risos).

Cinematical: Você acha que para descobrir uma estrutura você tem que ter completa liberdade, ou você deve estruturar para si mesmo e então examinar ou explorar as coisas que são importantes para você?

Gilliam: Eu nunca tive um curso de roteiro ou aprendi em uma escola de cinema. Eu apenas faço - Nós estamos contando uma história que me interessa? Eles são pessoas interessantes? Onde eles estão mentindo? Você começa uma história com efetivamente um conto de fadas, dizendo que um cara fez um acordo com O Diabo. Sua filha é o pagamento. O Diabo chegou. Ok, isso é simples, agora nós estamos fugindo e correndo. Mas é engraçado – ok, vamos fazer um filme fora dessa estrutura e ficar muito tensos. Mas eu não quero fazer esse tipo de filme. Eu meio que gosto de rascunhar o espaço, ficar vagando, e então nós começamos a dizer, quem é esse Parnassus? E então nós inventamos um conto imenso sobre ele e seu monastério que talvez encaixe, talvez não. E então você descobre que a filha está vivendo nesse exótico, maravilhoso mundo, mas tudo o que ela quer é a normalidade – uma existência ordinária. Agora, isso é uma relação entre pai e filha. E pouco a pouco você chega a Anton, que está apaixonado por ela e ela não reconhece isso. E então você coloca o pássaro no ninho, Tony, e vê o que acontece. A história eventualmente se expõe enquanto trabalhamos nela, nós nunca temos uma linha de pensamento diretamente no começo. Nós apenas começamos a construir.

Cinematical: Você alude a isso, mas há também um tema no filme examinando o preço que você paga em relações que você tem como resultado de seguir sua visão. Se você vê isso no filme, você sente algum sendo de reconhecimento pessoal nessa ideia?

Gilliam: Tudo tem um preço. Nada é gratuito. Nós dizemos que a vida, é como, se você comprar o papel higiênico certo sua vida será completa. É tanta besteira dizer esse pensamento. Uma das coisas, como colocar o Sr. Nick na história, é como, ok, nós temos o imaginário. Mas então isso não pode seguir eternamente, então há uma escolha. Então há um caminho para você seguir e talvez achar satisfação ou algo mais significativo, e o outro caminho que é o caminho errado, e então é mais engraçado de dizer, ok, vamos colocar O Diabo lá e você paga o preço e é realmente brutal. E não é relativo, apenas está acabado. Isso é meio engraçado. Agora você tem Parnassus e O Diabo, que são igualmente semideuses fazendo o que eles fazem e... Eu gostaria de ter guardado anotações. Um dia, e isso é o tipo de coisa que eu deveria estar fazendo antes de conceder essas entrevistas, é voltar ao passado e olhar para o desenvolvimento do roteiro para poder responder essas perguntar apropriadamente. Mas parece que faz tanto tempo, o processo de fazer esse filme teve uma espécie de drenagem em tantos estágios que exteriorizar o outro final com um filme que nós ficamos realmente orgulhosos e pensamos que é apenas como, bem, eu não ligo realmente como chegamos lá. Nós chegamos lá! Pois houve três anos de cruéis soluções de problemas, mas é o filme que nós escrevemos, e lá está ele.

Eu gostaria de saber como falar de filmes de uma forma intelectual. Eu nunca aprenderei isso. Atualmente, eu estou aprendendo a fazer ainda menos do que eu sei. Você sabe o que é realmente engraçado nesse filme? Eu não consigo me lembrar como Charles [McKeown] e eu o escrevemos. Nós sentamos juntos, nós conversamos, nós viajamos, ele escreveu algumas coisas, eu escrevi outras, nós pegamos algumas coisas de fora, colocamos tudo junto e boom boom boom – pouco a pouco. Nós até estávamos escrevendo enquanto estávamos filmando, e enquanto eu estava filmando nós mudávamos coisas todo o tempo enquanto elas se desenvolviam. Você apenas sente seu caminho através disso.

Cinematical: Como a tecnologia permitiu ou alterou o design ou a facilitação de designs que você criou para o aspecto de seus filmes?

Gilliam: Francamente, é meio o que eu estava fazendo com o [Monty] Python, exceto que eu fazia com pedaços de papel, coisas recicladas, e agora eu posso fazer basicamente com um espaço tridimensional. Essa é a diferença. As ideias, algumas são mais fáceis de desenvolver com CG [gráficos de computador], e algumas são mais fáceis de se fazer com modelos, o modo como eu sempre fiz. Eu apenas os misturo. Eu não tenho alguma teoria sobre qualquer coisa. Você assiste Michel Gondry, ele joga e meio que tem idéias sobre qual é a textura de significação de algo e a importância daquilo, mas eu não. Eu sou apenas uma prostitura quando o assunto é conseguir o que quer que seja que eu quero feito. Quero dizer, eu tenho minha própria empresa de efeitos, então ao longo dos anos nós desenvolvemos de impressoras óticas e coisas simples para o trabalho digital. Quero dizer, eu venho fazendo trabalhos em CG digital por anos e ninguém reparou (risos). Então é por isso que, novamente, eu não penso sobre isso. É apenas “eu tenho aquela ferramenta” e isso resolverá tal problema. Eu pensei que nós poderíamos fazer este filme desenvolvendo uma quantia de sets bem limitados onde a ação pudesse acontecer, e então poderíamos preencher o fundo com CG e ficaria espetacular. Eram coisas bem claras, não haviam criaturas animadas – quero dizer, ok, uma cobra aparece, mas é muito básico. Provavelmente a coisa mais complicada foi o derretimento da água-viva. Nós não temos um Tiranossauro que deve parecer crível, ou algo como isso, então é bastante simples o que fizemos. É apenas a escolha de ideias e o design das mesmas, e também o fato que nós não damos as pessoas tempo suficiente de ver o truque. Nós estamos fora daquilo antes deles verem muito, e nós estamos em outro mundo no próximo momento.

Cinematical: Existem lições específicas que você aprendeu na exploração dessas ideias ou temas? Durante este filme ou em outros, você aprendeu coisas que você aplicou em trabalhos futuros ou até mesmo em sua vida? Ou é...

Gilliam: Apenas uma grande tolice. Eu faço filmes que apenas vão de acordo com certas coisas que eu estou interessado ou nervoso sobre ou o que seja, e eu chego lá e, oh, eu fiz um filme? Oh, isso é muito bom. Bem, eu gostei, e a maior parte das coisas saiu da forma com que planejamos. E então você recomeça. Eu nunca penso de forma consciente o que eu estou aprendendo ou deixando de aprender. Eu acredito que fico melhor em algumas coisas, em outras coisas eu provavelmente fico menos bom por talvez não saber muito. Eu nunca intelectualizo o que eu faço, eu não tenho teorias sobre o que estou fazendo. É como quando estávamos montando o filme, os editors com quem eu trabalhei, Leslie Walker em Contraponto e Os Irmãos Grimm ou Mick Audsley nesse, nós não temos teorias. Nós apenas colocamos uma coisa após a outra e essa coisa funciona melhor que aquela. É por isso que eu nunca serei capaz de ir até uma escola de cinema e ser um professor: eu não tenho qualquer teoria, eu apenas faço. Eu meio que sempre fiz isso em minha vida. Eu não intelectualizo, eu apenas aprendo – e então é apenas anos depois que eu me dou conta que eu aprendi muito, mas eu não posso dizer a você o que eu aprendi e como aprendi. Mas eu posso fazer (risos).

Cinematical: Falando sobre essa abordagem ser bastante intuitiva, você acha que isso o liberta ou o limita? Não em termos de desenvolvimento de ideias, mas em achar pessoas que irão investir para trazê-las a vida.

Gilliam: Veja, a coisa é que eu alcancei o estágio onde eu trabalhei o suficiente, filmes suficientes que as pessoas apenas saberão que eu fiz, então eles gostam ou não gostam e então eles vêm trabalhar ou não vêm trabalhar. É realmente estranho, quero dizer, da forma ruim e negligente que eu encaro a vida, as pessoas estão sempre me entregando seus cartões e dizendo “eu faço qualquer coisa para estar em seu filme”, e então eu perco tudo isso. E então chega a hora de fazer um filme e basicamente todo o momento é realmente casual. Quem está disponível agora? Quem entrará pela porta? Eles pegarão o trabalho. E o cara que seria bem melhor que tenta há anos trabalhar comigo não estava disponível no dia e não consegue o trabalho. Eu não sei porque eu fiquei assim, mas eu sou o Sr. Acaso.

Cinematical: Na Comic-Con você mencionou que “The Man From La Mancha” [adaptação de Don Quixote, de Miguel de Cervantes] pode ser a próxima coisa que você estará fazendo. Esse filme parece ter reacendido sua paixão por filmar. Você se sente mais incentivado dessa vez a seguir adiante do que se sentiu antes?

Gilliam: Não, eu estava muito mais incentivado antes. Eu estava muito mais convencido de que nós poderíamos fazer tudo e qualquer coisa e que seria fácil. Agora eu estou bem mais cauteloso, pois esse período em específico é bastante ruim para levantar dinheiro para qualquer coisa maior que dois milhões de dólares. Mas o que eu fiz foi pegar o roteiro de volta após sete anos, o roteiro que estava legalmente em poder do território francês, eu olhei para ele novamente e finalmente o li, e foi uma coisa boa ficar longe dele por tanto tempo. Eu olhei para ele e eu disse, ele apenas não funciona – não é bom o bastante. Estava bastante claro o que estava errado, e rapidamente eu e Tony [Grisoni] o reescrevemos, e muito foi baseado no que aconteceu comigo nos últimos sete anos. Eu apenas incorporei minha própria vida dentro da coisa. Sim, nós fizemos isso, e isso causou um boom e repentinamente nós tivemos um filme onde, vamos dizer, dois terços não mudaram, exceto que tais dois terços foram alterados em significado, por termos alterado o terceiro terço. Isso deixou tudo em uma diferente esfera, então aquilo ficou tão simples como isso ou tão complicado como isso. Eu penso que o problema pe que eu nunca aprenderei nada, eu apenas vivo e sobrevivo e apanho alguns truques em algum lugar ao longo do caminho (risos).

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Cinema 3D. Diferente. Deslumbrante. Duvidoso.

3D. Nunca se ouviu falar tanto de uma tecnologia que já existe há mais de meio século, mas que apenas no último ano encontrou seu lugar no cinema – graças, em grande parte, a (ou por culpa de) James Cameron. Já é lugar comum falar da revolução que Avatar causou em seus semelhantes, os blockbusters, e não é minha proposta com o presente texto ressaltar a grande verdade supracitada. O que procuro é tentar expressar em palavras o que acontece com um movimento tão recente para a sétima das artes, que ainda não é inteiramente compreendido pelos que trabalham com ela – realidade evidenciada através do excesso de produções pífias produzidas constantemente – e ainda menos por seus espectadores.

Diferente

Uma arte estagnada, que não evolui ou se diferencia, pode ser dada como morta a qualquer momento. O cinema há tempos procura por meios de se renovar, seja em novas propostas artísticas e técnicas ou em táticas para sempre estar em evidência. O marketing nunca foi tão fundamental para o cinema como hoje, pelo óbvio motivo de que um filme não visto acaba ignorado. Em sua evolução, as ditas grandes revoluções foram com o advento do som e a cor no cinema, e agora o 3D já é reverenciado por ser a mais nova delas – embora seja um tanto precipitado creditar tal mérito a um recurso tão pouco explorado.

O 3D está no cinema há muitos anos, demorou para ser amplamente exaltado e conquistar audiências. Produções como A Casa de Cera (a versão original, de 1953), e até mesmo Disque M para Matar, de Alfred Hitchcock, experimentavam as primeiras reações do grande público, até então bastante céticos com a tecnologia. As produções 3D seguiram e a tecnologia foi evoluindo ao longo dos anos, mais comumente sendo utilizada em filmes de suspense, terror e ficção. Com o surgimento do IMAX em 1985 o 3D passou a ser explorado novamente, mas apenas em 2003 ele entrou no cinema comercial, sendo James Cameron o principal técnico creditado pelo sistema de filmagem digital utilizado a partir deste momento.

O 3D retornou às salas que suportavam a exibição de filmes no formato através de produções de gosto duvidoso direcionadas ao público infanto-juvenil - idade pueril onde a curiosidade e a inocência antecedem o senso crítico. Logo depois passou a ser aplicado novamente em filmes de terror e aventura – e posteriormente Avatar estreou, fez a maior bilheteria do mundo e agora todas as produções do gênero (e de gênero) querem ser como ele.

Deslumbrante

E então o público se encantou com o 3D. Sedento pela novidade, muitos passaram a creditar inventividade e evolução a cada produção que utilizava o recurso e preenchiam em massa as salas de exibição. Ainda que uma sessão não estivesse lotada, meia sala de espectadores em um filme 3D equivalia a uma sala inteira de público no modelo de projeção convencional, devido ao alto custo dos ingressos. Com isso a tecnologia se propagou e passou a funcionar perfeitamente para as intenções comerciais de estúdios e distribuidoras, assim como dos espaços exibidores.

Ir ao cinema ficou mais parecido com uma visita a um parque de diversões. A falsa interatividade que o 3D proporciona encantou o público, que pretere a qualidade da produção cinematográfica em benefício aos efeitos e alegorias digitais – como um inocente inseto que se aproxima da luz, extasiado.

Assistir a um filme em 3D causa realmente um efeito singular no espectador, que ainda é antecipado por um misto de curiosidade pela novidade e grande evolução. Para alguns, a experiência é mais completa, mais real – o que soa incoerente, já que os filmes que até então fizeram uso da tecnologia estão mais próximos da fantasia que da realidade. O que pode se tirar disso é que a tridimensionalidade aplicada nessas histórias as torna mais críveis, ou mais fáceis de serem experimentadas pelos espectadores.

De qualquer forma, é por essas e outras que o 3D permanece tão em evidência recentemente. Para a indústria cinematográfica, por consequência, o pote de ouro no final do arco-íris finalmente foi encontrado.

Duvidoso

Como tudo o que é novo causa controvérsia, o 3D divide opiniões. Há aqueles que apreciam a técnica, quando bem empregada, e que acreditam que a mesma veio para ficar, enquanto outros julgam que o recurso não durará muito tempo e toda a excitação em torno da tecnologia se dissipará em breve.

O assunto se torna polêmico quando entramos no espectro recente e já recorrente dos filmes que foram desenvolvidos originalmente em duas dimensões e que estão sendo convertidos para o 3D. Com custo mais baixo, a conversão garante aos estúdios, distribuidores e exibidores que o filme ocupará salas que comportam o tipo de projeção, faturando assim muito mais do que se lançassem o filme apenas em salas convencionais.

O problema das produções convertidas, a princípio, é que as mesmas não foram pensadas em 3D durante todo o processo que consiste na feitura de um filme. Mas isso não atrapalha as empresas especializadas nas conversões, que garantiram o lançamento do recente Alice no País das Maravilhas no formato, para citar apenas um exemplo das tantas produções planejadas para o 2D que posteriormente foram (ou serão, no caso de vários filmes) convertidas.

Nesse sentido, podemos exaltar o Avatar de James Cameron. A produção foi pensada e realizada inteiramente em três dimensões, com equipamento desenvolvido especificamente para isso. O processo é difícil e custoso, mas gratificante para realizador e espectador, proporcionando para o segundo a experiência completa do que se propõe o cinema tridimensional.

Ainda é muito cedo para se fazer previsões, acusações e análises mais fundamentadas, mas deve-se esperar um mundo de produções do gênero ocupando as salas do cinema mais próximo de você e, mais cedo do que se imagina, sua casa também. Má notícia para os cinéfilos tradicionais.


domingo, 2 de maio de 2010

Sexo, Drogas e a Revolução do Cinema Americano

Tudo começou com uma viagem de duas motos e seus pilotos pelo interior dos EUA. Em Sem Destino, Dennis Hopper e Peter Fonda simbolizaram uma era, espelharam na tela o sentimento de toda uma geração. O filme a rigor não falava a respeito de nada, era sobre muita coisa, é certo, mas não tinha uma trama guia, não era um exemplar movido pela história, e sim pelos personagens, que, meio sem eira nem beira, desafiaram a mentalidade fechada de uma parcela do povo americano que ainda rezava pela cartilha do conservadorismo. O inesperado sucesso de Sem Destino, até então um exemplar sem precedentes no cinema americano, que vivia uma crise por conta da debandada do público, abriu os olhos das pessoas, mudou as regras do jogo, fez com que a tese do cinema de autor, proposta pela Nouvelle Vague e seus críticos que viraram diretores, fosse a tônica dominante. Jovens diretores americanos queriam ser Godard, Truffaut, Bergman, procuravam a libertação dos grilhões da narrativa convencional, dos finais felizes. O povo americano não queria mais ver finais felizes. A contestação e a contracultura estavam em voga, e os estúdios americanos foram salvos da falência por jovens que queriam fazer do cinema a arte que melhor expressaria o que o povo sentia e/ou queria. Coppola, Scorsese, Schrader, Hopper, Ashby, Friedkin, Bogdanovich, Altman, e tantos outros, ganharam poder de uma hora para outra, foram alçados ao patamar de gênios com seus trabalhos iniciais. Fizeram fortuna, ensaiaram a revolução, pois queriam que o cinema americano fosse mais do que cifras, queriam que a essência da arte prevalecesse.

Os estúdios se adaptaram aos tempos, seguiram a onda financiando os filmes que davam certo, que o povo queria ver, e foram salvos por esta geração que, paradoxalmente, questionou seu poder e que parecia enfadada do velho sistema. Aí veio o declínio, os diretores começaram a afundar em sua própria megalomania, em rompantes de ações descabidas que denotavam que os egos estavam acabando com talentos. As drogas também tiveram importância fundamental neste significativo capítulo da história cinematográfica mundial. Os idealizadores da Nova Hollywood foram aos poucos perdendo poder, sendo suplantados por, entre outras coisas, acreditarem demais na genialidade que lhes atribuíram. Os estúdios retomaram o poder, os profissionais, aos poucos, em sua grande maioria, foram se formatando. Muitos consideram que O Portal do Paraíso de Michael Cimino tenha jogado a última pá de terra em cima de toda esta chamada Nova Hollywood, mas foi por meio da recepção fria, para não dizer gélida, que Touro Indomável (um dos melhores filmes americanos dos últimos cinquenta anos) teve por parte da platéia, que se verificou que algo mudara, que o público não queria mais refletir, pensar, ver algo complexo, tudo por conta de uma transformação social que começou lá, e que ecoa até hoje.

Peter Biskind, em seu livro Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’Roll Salvou Hollywood, tece com pouca parcimônia todo o panorama da ascensão e queda da Nova Hollywood, desde que os easy riders cortaram as estradas americanas até o momento em que Jake LaMotta se olha no espelho. O livro é uma leitura delíciosa, indispensável a qualquer cinéfilo, principalmente àqueles que costumam, por puro preconceito, relacionar “cinema americano” com blockbuster, esquecendo que na terra do Tio Sam se faz e, principalmente, se fez muita coisa magnífica em prol do cinema mundial, por meio de filmes que figuram, tranquilamente, na lista dos melhores desta arte já mais do que centenária. Um livro que tem de grandes discussões artísticas a histórias de alcova, e que organiza suas linhas de abordagem tão bem, que nós, leitores que não vivemos o período no olho do furacão, conseguimos ter a dimensão do que a revolução no cinema americano dos anos sessenta foi capaz e também de como ela, já nos anos oitenta, era só uma saudosa lembrança.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Opinião: Viva a burrocracia!

Tentarei fazer um texto breve, não reacionário ou irado, pois isso tiraria qualquer sensatez ou mesmo a completa validade de minhas palavras. Embora seja uma tarefa difícil e delicada, a de não se inflamar um discurso quando o tema provoca imensamente o autor, farei o possível. O assunto da vez foge da proposta principal desse espaço – embora se relacione diretamente com ela. Então peço licença aos leitores desse blog para falar sobre a burrocracia dos censores de projetos artísticos de Caxias do Sul que intencionam ser financiados pelo município.
A burocracia (abrindo mão temporariamente do neologismo), intransigência e irredutibilidade desses censores e daqueles que ditam as regras para a apresentação dos projetos é, sem dúvidas, uma pedra no sapato de qualquer pessoa que queira iniciar uma carreira no meio nessa cidade. Acredito que a realidade deve ser semelhante em outros locais do país, mas posso apenas dizer com certeza que o problema ocorre aqui – e tende a piorar.

Não julgo incorreta a necessidade de mil justificativas, currículos, orçamentos e tudo mais que é necessário para a inscrição de um projeto pelo qual se intenciona financiamento municipal, muito pelo contrário: é assim que se verifica a validade e coerência desses projetos e se diferencia os realizadores e produtores culturais de “artistas” mal intencionados, que procuram no financiamento de um projeto uma forma de remuneração, antes de qualquer coisa.

A necessidade de tais comprovações é essencial, insisto, porém não é no que consiste o projeto, e sim na proposta do mesmo. Isso, porém, é descartado inteiramente de início. O que se avalia primeiramente é a composição de intermináveis três vias do projeto apresentado, devidamente encadernadas, com todas as páginas numeradas e rubricadas. Como na pré-escola, o aluno mais caprichoso e atencioso ganha uma pequena estrela dourada, que aqui é o encaminhamento para a avaliação do projeto em si e ao que o mesmo se propõe. Aquele que comete uma falha, por menor que seja, é repreendido e, diferente da professora da pré-escola supracitada, que permite uma correção e reparação do erro, a intolerante comissão avaliadora inabilita o projeto sem sequer saber qual é a proposta do mesmo – sem chances de quaisquer recursos para que o problema seja resolvido. E nesse momento não há argumentação que seja válida.

Se o leitor se faz agora uma inevitável pergunta, respondo de antemão: sim, era proponente em um projeto cultural que foi inabilitado. O motivo? Em uma das três intermináveis vias do meu projeto um erro foi encontrado, onde um orçamento estava incorreto e diferente das outras duas vias. Não peço perdão pelo meu erro, por ter imprimido um orçamento errado. Pelo contrário, assumo-o! O que espero, e efetivamente solicitei quando soube da inabilitação, é a possibilidade de corrigir o problema, de substituir uma simples folha por outra onde o problema inexistisse. Mas esta não era uma opção – embora tenha sido nos editais de outros anos.

E assim como no caso acima relatado, outros vários projetos recusados esperavam por seus proponentes, que se desolariam assim que chegassem à Secretaria Municipal da Cultura e recebessem a péssima notícia da inabilitação. Por informação recebida dentro do próprio local, mais de 25 outros projetos seriam devolvidos – por erros tão simples quanto ou ainda menos que o descrito previamente.

E então a intenção que se aproxima do altruísmo, de trabalhar para promover a cultura através de diferentes meios dentro de nossa cidade - que ainda engatinha nesse aspecto – se acaba para muitos. Mas não para mim e para aqueles que aceitaram promover a primeira mostra de cinema e debates de Caxias do Sul, incluindo os outros dois editores desse blog, Marcelo e Rafael Müller. O projeto segue em frente, seja com ou sem financiamento, com ou sem o apoio daqueles que deveriam fomentar a produção cultural feita por cidadãos da cidade - fomento que se torne cada vez mais curioso, começando pelo fato da cidade ter doado sem quaisquer explicações concretas R$ 100 mil para uma produção da capital gaúcha.


E viva a incoerência, viva a burrocracia!