sábado, 4 de outubro de 2008

Gritos e Sussurros

Direção: Ingmar Bergman
Roteiro:
Ingmar Bergman
Elenco:
Henning Moritzen, Harriet Andersson, Inga Gill, Erland Josephson, Ingrid Thulin, Liv Ullmann, Kari Sylwan, Anders Ek, Malin Gjörup

Como já devo ter dito em algum texto (me repito com uma freqüência irritante) Ingmar Bergman foi o diretor que melhor capturou a dor humana, o sofrimento a que somos impelidos em alguma parte de nossas vidas, ou durante toda ela. A inquietação do cineasta sueco perante estas dores que atingem o ser humano, foi matriz para que, como artista, ele nos desse algumas das obras mais significativas, não só do cinema, mas da arte como um todo. Esta introdução, que demonstra a admiração que tenho por Bergman, é só para dizer que re-assisti hoje àquele que, em minha opinião, é o mais denso, o mais profundo e, por conseguinte, meu filme favorito de Bergman: Gritos e Sussurros.

Reza a lenda que Bergman teve a idéia trabalhando em uma imagem que não saía de sua cabeça, que lhe veio através de um sonho. Mulheres vestidas de branco contra um fundo vermelho. O que isto queria dizer? Acometido pelo desejo de tirar alguma idéia daquela imagem, o cineasta “compreendeu” que eram três irmãs, estavam juntas e tristes porque uma delas iria morrer. Gritos e Sussurros começa com imagens estáticas que, aos poucos, vão nos inserindo aonde tudo ocorrerá. A casa de campo, rodeada por uma natureza exuberante e que, internamente, tem seus cômodos e móveis abundantemente escarlates. Neste cenário somos levados à uma mulher que repousa lividamente em seu leito. Aos poucos, Agnes vai mudando sua expressão, nos transmitindo a dor que sente em virtude de uma doença terminal. Cuidando dela estão as duas irmãs, Karin, a mais velha, e Maria, a mais nova, juntamente com Anna, a empregada.

Mais do que abordar a doença de Agnes, Bergman aqui nos leva, ao longo de mais ou menos 90 minutos, à uma experiência única, uma sutil e contundente exploração da personalidade das quatro mulheres. Não ficamos presos a imagem de Agnes, mortificados por sua dor apenas. A narrativa intercala o desespero pelo fim próximo, a agonia que Agnes sente, com ao desnudamento moral e ético de Karin e Maria, personagens riquíssimos, interpretados com genialidade por Ingrid Thulin e Liv Ullmann, respectivamente. Karin vive um casamento de mentiras, não infidelidade ou algo que o valha, e sim mentiras cotidianas, que abalam a estrutura de seus sentimentos, de sua sanidade, tornando-a uma mulher fria, dura e até mesmo cruel em sua postura gélida. Maria pode ser mais facilmente comparada a uma boneca, por sua beleza exuberante e falta de conteúdo, sendo ela oca sentimentalmente. Sua frivolidade e capacidade de dissimulação, lentamente descobertas por nós espectadores, tornam ela mais do que uma boneca, mostram uma faceta tão calculista quanto a de Karin, aproximando-as quando as tínhamos quase como que antagônicas. Tentei, mas creio que, mesmo assim, não tive competência em caracterizar duas personagens tão bem construídas, cheias de variações e inconstâncias. Bergman tinha isso, aproximava, mesmo quando usava situações surreais, seus personagens do ser humano cotidiano, aquele de caracterização rasa fácil, mas de difícil definição completa e, geralmente, não definitiva.

Emolduradas pelos belos cenários, iluminadas de forma brilhante pelo mítico Sven Nykvist, tratadas com uma delicadeza espantosa pela câmera genial de Bergman, temos estas mulheres, irmãs de sangue, porém, distantes , e Anna, empregada devotada que cuida de Agnes como se ela fosse sua filha, morta precocemente em virtude de uma doença súbita. Ela, a morte, nunca foi tratada com o mesmo peso, com a mesma densidade que Bergman empregou neste filme. A finitude, o desespero, a insegurança, os traumas e o amor, seja ele apresentado sob qualquer faceta, se misturam em uma obra sem comparações, genial nos quesitos técnicos e em sua significação. Gritos e Sussurros é meu filme favorito, não somente por ser maravilhoso em todos aspectos mas, por mostrar muito mais do que intenções, por efetivamente atingir um ponto em mim que raras obras conseguiram, nenhuma com a mesma intensidade.

2 comentários:

  1. Excelente texto Celo! Gritos e Sussurros definitivamente é espantoso, é uma obra de capacidade e alcance indiscutíveis, um trabalho de direçã e roteiro inigualáveis. O filme de Bergman sem dúvida é complexo por demais, mas não por isso menos apreciável. O pensamento inquietante do diretor tranposto em imagens tão bem fotografadas é grandioso. E tal adjetivo ainda é pequeno frente a magnitude do filme. Enfim, tenho de fazer como você e o rever qualquer hora. Abraços cara!!

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  2. Olá, Celo!!
    Belo texto, sendo possível sua construção apenas por um legítimo entusiasta, palavra não usada aqui de modo pejorativo, tendo em vista a obra-prima que é "Gritos e Sussurros".

    Abraçosss

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