domingo, 14 de dezembro de 2008

Capitu

Segunda parte do projeto Quadrante, que tem como meta realizar duas microsséries por ano baseadas em talentos regionais da literatura brasileira, Capitu é, sem dúvida, superior à primeira adaptação, A Pedra do Reino. Não quero com este comentário dizer que houve claro amadurecimento narrativo, ou algo que o valha, depreciando a obra anterior. Também não quero que, aquele que se põe a ler, pense que não gosto desta adaptação televisiva do mítico livro de Ariano Suassuna. Muito pelo contrário. Sou um dos poucos que a defende, dizendo que, a minissérie (ou microssérie, como se chama por aí, afinal tem somente cinco episódios) foi uma das coisas mais criativas e inventivas que surgiram na televisão aberta brasileira nos últimos tempos. Alguns reclamaram do estilo teatral, do uso excessivo de alegorias e do hermetismo do trabalho de Luiz Fernando Carvalho, cineasta dono de um olhar muito particular, injustamente pouco reconhecido. A Pedra do Reino era instigante, nos restituiu o direito ao pensamento, à reflexão sobre uma obra audiovisual apresentada no maior disseminador da cultura de massa deste país (não por menos, uma das maiores redes de televisão do mundo), sem contar que nos enchia os olhos pelo visual apuradíssimo. Então, porque digo que Capitu, releitura do famoso Dom Casmurro de Machado de Assis, consegue ser ainda melhor?

Bem, a começar pelo próprio material a que se reporta como origem. O texto machadiano é riquíssimo (não que o de Suassuna não fosse, distante disto), e foi preservado na sua transposição às telas. Na verdade digo estas coisas baseado mais em informações, do que na opinião, já que não li (eu sei, vergonha) o famoso livro de Machado e muito menos o de Ariano. Não pense também que a fidelidade da qual falei, é uma prova da subserviência de Luiz Fernando à obra original, pelo contrário. Talvez seja a releitura o que faz de Capitu um êxito e, provavelmente, isto aponte uma direção para os que acham impossível transformar em imagens, grandes obras literárias. A servidão não é bem-vinda, a reverência sim e um diretor que sabe reverenciar sem apequenar suas intenções é mais bem-vindo ainda.

Se há os que se incomodam com o rock 'n' roll que embala a história, com os elementos que ligam a época ao nosso tempo, conferindo-lhe atemporalidade, ou os que acharam “um pouco demais” a intérprete da adolescência de Capitu ser tatuada, eu sinto muito, e falo isto sem medo de parecer pedante ou mesmo arrogante. Não é uma questão de saber ou não apreciar uma obra, é mais uma questão de aceitação, de se permitir outras leituras, outros formatos que não sejam tão quadráticos e, por vezes, errôneos em sua servidão cega e surda.

O êxito de Capitu não é obra de um homem só, e nem poderia ser. Confesso, porém, que se tivesse de dar crédito à apenas um homem por este trabalho magnífico, o daria a Luiz Fernando Carvalho, pelo apurado senso estético, por ter escolhido um elenco afinadíssimo e, principalmente, por não ter medo do novo, por não temer mexer com as concepções perceptivas de um povo acostumado à Donatelas e Floras, típicas personagens que ilustram o maniqueísmo e a falta de originalidade que infestam o horário nobre. Mas, não comparemos Capitu às novelas ou mesmo às séries mais tradicionais que acabam criando esta pasteurização narrativa que limita a aceitação de muitos e empobrece a percepção. Ao invés de aprofundar a comparação desleal entre a microssérie e outros formatos televisivos vigentes, permito-me uma travessura, a de romper com o combinado e eleger mais um destaque individual: Michel Melamed. A figura que ele interpreta, a do narrador Casmurro que acompanha e revive sua vida pregressa, ao tempo em que a escreve num livro de memórias é, com o perdão do joguete de palavras, memorável.

Só espero que o projeto Quadrante siga nesta toada e que, nem mesmo os baixos níveis de audiência, tirem de Luiz Fernando Carvalho a liberdade para continuar, através do lúdico e da narrativa que estabeleceu, nos brindando com programas tão necessários e enriquecedores. Parabéns também à Globo que, finalmente, está dando sentido ao chamado “padrão Globo de qualidade”, mesmo que timidamente.

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Belo texto. "Capitu" é uma obra admirável, como bem ressaltou. É tão bom ir à livraria comprar Machado de Assis e não o encontrar. Não pense que não o queria, que dissimulava uma vontade que a mim não pertencia de fato, mas o fato é que a procura não se restringiu a esse que vos escreve. Sei claramente que segui uma corrente que nos tempos tidos modernos, que não aceitam fones e telefones em séculos passados, denominamos senso comum. Bom, que Machado seja mais comum e isso já basta. Sinto a necessidade de escrever como ele, mesmo o imitar, como o fazia Ezequiel, filho de Bentinho, mas o que mes resta se não copiar, me apegar à gênios?
    Que me neguem a originalidade, que por fim, dada uma minuciosa análise, não mais pertence ao mundo em que vivemos, porém a túmulos dos que aqui puderam não apenas sobreviver, viver.
    A série me abriu os olhos para a literatura brasileira e, agora, pretendo conhecer mais afundo nosso maior exemplar, sim, exemplar como um livro. Machado de Assis, resplandesce em mim a felicidade pelo destino que não o quis outra coisa que não literato.

    Abraçossss

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  2. O que dizer? Nada posso fazer além de lhe parabenizar pelo ótimo texto e aguardar ainda mais ansioso por Capitu, pela adaptação de Luis Fernando Carvalho e por tudo que ressaltastes em seu texto.

    Retornarei certamente após ver a aparentemente grandiosa série!

    Abraços Celo!

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