domingo, 25 de janeiro de 2009

O Lutador

Diretor: Darren Aronofsky
Roteirista: Robert D. Siegel
Elenco: Mickey Rourke, Marisa Tomei, Evan Rachel Wood, Mark Margolis, Todd Barry, Wass Stevens, Judah Friedlander, Ernest Miller, Dylan Summers, Tommy Farra, Mike Miller, Marcia Jean Kurtz, John D'Leo, Ajay Naidu, Gregg Bello

Mickey Rourke é um daqueles atores em que se apostava muito nos anos oitenta. Era constantemente comparado a Robert De Niro e, ainda por cima, gozava de prestígio com as mulheres, tanto as cinéfilas quanto as que notavam somente seus dotes físicos. De uma hora para outra, Rourke sumiu, simplesmente deixou de ser banhado pelas luzes de Hollywood e foi se aventurar como lutador profissional de boxe. Isto mesmo. Um astro em ascensão, ator que tinha potencial para construir sólida carreira cinematográfica, abandonou tudo para se dedicar ao boxe. Do esporte, Mickey traz consigo, hoje, os anos em que ficou no ostracismo e as marcas físicas, principalmente expressas por seu rosto, deformado por inúmeras plásticas corretivas. De lá para cá, digo dos anos oitenta para cá, ficou dez anos sem estrelar um filme. A volta foi gradativa, em papéis de pouca relevância, em filmes com menos dela ainda. Estava tudo caminhando para que fosse mais uma história de carreira desperdiçada por decisões erradas, julgamentos precipitados, daqueles casos que acontecem de vez em quando. O retorno aos áureos tempos parecia mesmo improvável. Eis que surgiu Darren Aronofsky, cineasta cultuado no circuito independente e que tinha acabado de enfrentar severas críticas à seu mais recente filme, o primeiro feito numa escala mais grandiosa, comercial. Deste encontro de artistas que precisavam se reafirmar, surge O Lutador.

Curiosamente, O Lutador tem uma premissa semelhante com o recente filme da série Rocky, que trouxe de volta Silvester Stallone. O filme de Stallone é surpreendentemente bom, honesto em seu saudosismo e bem executado. Alguns elementos realmente ligam os dois filmes, mas é incrível como eles são distantes em abordagem e intenção. As grandes diferenças entre O Lutador e Rocky Balboa residem no, infinitamente mais apurado, senso cinematográfico de Aronofsky, que o faz criar uma obra bem mais dimensional e bonita, e na interpretação dilacerante de Mickey Rourke. Ele encarna Randy Robinson, profissional de luta livre que está na ativa, gozando de certo prestígio como lenda viva, como representante do passado glorioso do esporte. Randy é respeitado por colegas de luta e admiradores anônimos. Ele, porém, precisa trabalhar paralelamente como qualquer um, pois não consegue sustento apenas nos combates, verdadeiros espetáculos montados e coreografados para entreter um público que tem noção da combinação dos resultados. O que importa é o show. Randy terá um problema que o afastará dos ringues à beira de um combate histórico. Como lidar com a perda do grande amor de sua vida? Como controlar a paixão pela única coisa que lhe dá prazer verdadeiro, no caso as lutas, quando não se pode mais usufruir dela?

Aronofsky é excelente diretor, dotado de um senso estético apuradíssimo. Aqui, ele se vale da câmera na mão para, durante quase todo filme, seguir Randy em seu dia-a-dia, indo desde seu trabalho convencional, passando pelas lutas, até suas incursões por um bordel aonde faz amizade com uma stripper (interpretada com muita ousadia e competência por Marisa Tomei, linda no filme). Aronofsky não cai na utilização, amplamente falando, cada vez mais recorrente, da chamada linguagem documental, embora flerte com ela por meio da câmera. A mis-en-scène é despojada, mas também clássica e, unida à imagens trepidantes e despidas do romantismo dos planos fluidos e limpos, cria a intimidade que nos auxilia na empatia que nutrimos pelo protagonista. Não é exagero dizer que tudo no filme gravita em torno de Randy. Mesmo quando Rourke sai de cena, tudo gira ao seu redor, toda a trama só se faz necessária para engrandecer, ainda mais, Rourke e dar subsídios para que ele desempenhe o papel com tanta profundidade e sensibilidade.

O Lutador é daqueles filmes para se saborear aos poucos, na medida em que acompanhamos, com crescente interesse, o protagonista, situamos o foco narrativo, nos acostumamos com a abordagem de um diretor tão visionário e com o retorno de um ator que esbanja carisma, sinceridade e nos entrega uma interpretação muito natural, espontânea, das melhores que vi este ano, senão a melhor. O arco emocional do terceiro ato é conduzido com tal maestria que é impossível ficar passivo diante de um homem que só quer ser ele mesmo, que só quer, sem pieguices ou falso-heroísmo, ser fiel à si, obedecer sua natureza e não se negar o direito de ser pleno.

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Bem bacana seu texto.
    Sobre o filme, não é extraordinário, longe de ser o melhor do diretor, mas nem por isso a qualidade se nega de o acompanhar. A intrepretação de Mickey Rourke é extraordinária e, em momento algum, vemos encarnado nele outro que não um profissional de luta livre. Marisa Tomei está ótima e, como bem destacou, ousadia não lhe falta em demosntrar sua beleza e sensualidade na casa noturna em que trabalha. O Oscar bate à porta.

    Abraçossss

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  2. Celo!
    Não pude deixar de pensar no Joaquin Phoenix quando comecei a ler seu texto. Phoenix estava em seu melhor momento até então, equilibrando participações em filmes comerciais e outros mais artísticos, quando deixou tudo de lado para se dedicar ao rap. Sobre o filme, vejo que por algumas vezes a execução extrai o melhor do roteiro, que não se torna mais interessante por se prender a alguns convencionalismos de filmes com temática semelhante. O mérito mesmo vai para o Aronofsky e principalmente para Mickey Rourke, excepcional em sua interpretação. Você disse que ele ganha o filme mesmo em momentos quando não aparece em cena mas, para mim, francamente, não me recordo de tais momentos! Sua presença é incrível, e não estranharia ver uma estatueta dourada logo mais em suas mãos. Quem sabe este não seja o futuro de Phoenix?

    Abraços cara!

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