sábado, 2 de maio de 2009

Luz nas Trevas – A Revolta de Luz Vermelha

Crédito da Foto: Revista Bravo

O cantor Ney Matogrosso protagoniza a continuação de “O Bandido da Luz Vermelha”, clássico que o cineasta Rogério Sganzerla rodou em 1968. Filmado em São Paulo e Santos entre fevereiro e abril, “Luz nas Trevas – A Revolta de Luz Vermelha” deve estrear no primeiro semestre de 2010. Ícaro Martins e a atriz Helena Ignez, viúva de Sganzerla, dividem a direção.

Confesso que recebi com certo espanto, há alguns meses, a notícia de que começava, por aqueles dias, a produção de uma sequência para O Bandido da Luz Vermelha , um dos maiores filmes que o Brasil já pariu. Quem conhece um pouco de cinema, e não acha que do país só saem filmes de mulher pelada e produções B (é impressionante como os efeitos da ditadura e sua “cria” pornochanchada ainda atuam no inconsciente coletivo), sabe de qual filme estou falando. No final da década de sessenta, década esta que testemunhou o surgimento e a morte do Cinema Novo, alguns jovens propuseram, mesmo que informalmente, um novo movimento, uma nova revolução estética/artística para o cinema brasileiro, que já começava a ser invadido pelo erotismo e pelos financiamentos americanos, que davam dinheiro para quem queria fazer sacanagem, soterrando na míngua do “nada de recursos” os que tinham a arte como meta. O Cinema Marginal, como ficou conhecido, tinha inspiração nos grandes mestres americanos da década de 40 e 50. Nomes como Orson Welles, John Ford, Howard Hawks eram farol para os jovens Rogério Sganzerla, Andrea Tonacci, Júlio Bressane, entre outros. Os filmes ditos “marginais” eram assim denominados por terem nascido na Boca do Lixo, área de São Paulo altamente marcada pela marginalidade, prostituição e tipos exóticos, que eram, justamente, os protagonistas e fios condutores das tramas destes jovens, que estavam mais preocupados em fazer um cinema popular, porém não negando a qualidade e a arte em si.

Rogério Sganzerla foi, sem dúvida, o maior expoente do Cinema Marginal. Fã confesso de Orson Welles, a quem classificava como o maior diretor de todos os tempos, e não somente por Cidadão Kane, Sganzerla revolucionou o cinema brasileiro quando, em 1969, estreou O Bandido da Luz Vermelha. No final dos anos sessenta um bandido aterrorizou São Paulo e recebeu a alcunha de Luz Vermelha por andar com uma lanterna de bocal vermelho ao praticar seus assaltos. O Luz era um bandido astuto, que não conhecia o termos “porta fechada” e “propriedade privada”. Entrava nas casas, roubava tudo que podia, estuprava mulheres e demorou muito a ser identificado e preso, o que criou uma aura mítica em torno de sua figura. Inspirado em João Acácio Pereira da Costa, Rogério Sganzerla criou O Bandido da Luz Vermelha, um filme não-biográfico, que misturava diversos tipos de linguagem, com destaque para a narração tipicamente radiofônica, e um personagem marcado pela anarquia, pela esculhambação que queria produzir no terceiro mundo. O filme foi sucesso de público e crítica e, até hoje, é lembrado e reverenciado, com muita justiça, como um dos maiores filmes que já foram feitos no Brasil. Particularmente nunca vi, independente da nacionalidade, um filme que tivesse linguagem sequer parecida com a do O Bandido da Luz Vermelha. É um filme que me encanta, que mostra o poder de um artista diante de um mito e como, sem subserviência, a arte molda a vida em prol de algo maior.

Bom, esta introdução toda que, a meu ver, é necessária para a situação do leitor, é para comentar a produção de Luz nas Trevas – A Revolta de Luz Vermelha, continuação de O Bandido da Luz Vermelha. É quase uma insanidade pensar na sequência de um filme tão significativo para a cinematografia de um país. Aí vem a notícia de que, para interpretar o Bandido, foi contratado (já que Paulo Villaça, seu intérprete em 1969, infelizmente faleceu) o cantor Ney Matogrosso. Num primeiro momento me bateu um estranhamento, já que Ney tem pouquíssima vivência no cinema, sendo seu foco, quase que integralmente, a música. Ou seja, temos a sequência de um clássico absoluto, protagonizado por um cantor? A idéia, assim de primeira, não parece das mais promissoras. Até porque, afinal das contas, o gênio por trás do original, Sganzerla, também está morto.

Agora tenho de dizer que, mesmo com estes contras, contrariando o pessimismo que me veio à cabeça assim que li a notícia da sequência de um de meus filmes prediletos, começo a pensar que Luz nas Trevas – A Revolta de Luz Vermelha pode ser um grande filme, uma lufada de transgressão no cinema nacional. Digo isto, a começar, pela pessoa responsável pela direção do filme, Helena Ignez, a viúva de Sganzerla e a dama do Cinema Marginal. Somente Helena pode emular, sem que isso soe plágio, o estilo de Sganzerla e como ele próprio dirigiria o filme. Somente Helena entende o Bandido como seu marido entendia e, se há uma pessoa capaz de ser fiel ao espírito de Sganzerla, e dar vida ao roteiro que ele escreveu (sim, o roteiro de Luz nas Trevas – A Revolta de Luz Vermelha foi escrito por Rogério Sganzerla, que não teve tempo de filmá-lo) este alguém é Helena Ignez. Para compensar sua falta de experiência como diretora, Helena chamou para dividir a direção com ela, Ícaro Martins, que ficou apaixonado pela história assim que leu o roteiro, quando avaliava projetos para um edital de cinema. E pensando bem, Ney Matogrosso um performático cantor, dono de um estilo teatral, mesmo quando canta, parece uma inusitada e, por que não, promissora escolha para interpretar o mítico bandido, ainda mais quando se lê, como li, sobre sua formação teatral e também alguns elogios à suas performances nos poucos filmes em que trabalhou.

Pode dar errado? Pode. Pode ser uma bomba? Pode. Mas também pode ser um filme que, sem reverências exacerbadas, respeitando a passagem do tempo, pode ampliar o mito do Bandido da Luz Vermelha, trazendo para os dias de hoje, por meio deste resgate, um pouco da transgressão e imensa relevância que teve o Cinema Marginal. Aguardo ansioso e, ao contrário das primeiras impressões, esperançoso de que seja um grande filme.

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Como bem sabe, não me agrada muito o estilo do "Bandido da Luz Vermelha", todavia não nego sua importância como alicerce para a linguagem cinematográfica brasileira, por isso confesso curiosidade em torno de tal produção alvo de seu texto, ousada pelo fato único e, não exclusivo, de resgatar um ícone da produção artística nacional.

    Abraçossss

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  2. Difícil dizer o que espero do novo filme Celo, porém não consigo enxergar a estética do cinema marginal empregada em alguma produção contemporânea de forma fidedigna. Enfim, posso me surpreender... É esperar pra ver!

    Abraços!

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