sexta-feira, 12 de junho de 2009

Short Cuts e o Tempo

O tempo realmente é muito relativo. Pense bem: quantas vezes você assistiu a um filme de menos de uma hora e meia de duração e este tempo parecia não acabar, dado o enfado que o filme te proporcionou? Se você tem alguma experiência desta, provavelmente também já viveu o contrário, ou seja, já viu um filme de metragem gigante, e que parecia ter se passado em pouco menos de uma hora e meia. Foi o que aconteceu comigo hoje quando assisti Short Cuts – Cenas da Vida, filme magnífico do diretor Robert Altman, que tem exatamente 188 minutos, tempo este que parece ter transcorrido num piscar de olhos, com o perdão do uso do clichê. Altman engendra uma narrativa consistente, poderosa, que deglute 22 protagonistas, e os vomita nas mais corriqueiras e banais circunstâncias, num cotidiano esmagador que, se prestarmos bem atenção, se parece muito com o nosso. Mas não é desta aproximação com o espectador que vive esta obra-prima de Altman.

O filme tem um roteiro primoroso, que alterna estas diversas histórias, aparentemente desconexas, com semelhante importância de enfoque, sem que uma se sobressaia especialmente. Na verdade, o filme também não tem uma história definida, sendo o mote uma soma de acontecimentos aparentemente aleatórios na vida destes personagens, amarrados de leve por uma praga de mosquitos que assola Los Angeles. Diferente de outros filmes que, posteriores a ele, fazem de tudo para estabelecer uma conexão clara e direta entre os personagens “desconectados”, fazendo com que justamente este elo seja o mote de suas histórias, Short Cuts – Cenas da Vida faz estas ligações da maneira mais orgânica possível, ao passo que expô-las não significa direcionar toda a narrativa para elas, mantendo o foco nos personagens, muito bem desenvolvidos, interpretados por um elenco maravilhoso. Filmes mais recentes, como os igualmente excelentes, Felicidade, do diretor Todd Solondz, e Magnólia de P.T. Anderson, bebem abertamente da fonte de inspiração que é esta obra de Altman, sendo com o segundo a associação mais óbvia, até por ele emular a espinha dorsal de Short Cuts – Cenas da Vida, utilizando, inclusive, o background que flerta com a religião e o acontecimento pontual e estranho que afeta à todos.

Não é sempre que se pode dizer que um filme de mais de três horas tenha “passado voando”, principalmente numa era como a nossa, em que, muitas vezes, narrativas pseudo-grandiloquentes escondem defeitos estruturais e a falta do, às vezes necessário, poder da síntese e apuro do essencial. Short Cuts – Cenas da Vida é um deste exemplares que não poderia ter um segundo a menos e, pela força com que nos apegamos a seus personagens, se tivesse alguns a mais, não reclamaríamos.

Ps.: A participação, neste filme, de Jack Lemmon, um de meus atores mais queridos, é algo de excepcional.

3 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Assim que tomar coragem, parto nessa jornada quase sem fim, ao menos frente à visão dos que nunca o viram, já que enfatizou a ilusão que o filme proporciona quanto ao seu tempo de duração.

    Abraçosss

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  2. Tenho o filme em mãos para ver, mas ainda não tomei a iniciativa tanto pelo tempo de duração como por não ter me impressionado com os dois filmes que já vi de Altman, que considero superestimados: O Jogador e Assassinato em Gosford Park. O segundo, por sinal, é demasiadamente longo e enfadonho e, como resposta à questão do início de seu texto, daria este filme como exemplo. Mas, depois de seu ótimo texto entusiasmado, tenho que ver logo tal produção para assim poder opinar e, talvez, passar a ver o cinema de Altman com outros olhos.

    Um grande abraço Celo!

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  3. Deu vontade de assistir Short Cuts de novo, depois de ter lido seu texto.
    Eu achei incrível também na época.Me marcou demais, talvez pelo realismo presente.
    Li certa vez e nunca mais me esqueci que : "Em Short Cuts Altman consegue costurar um mosaico de pessoas comuns em situações comuns mas com um resultado inédito" , era mais ou menos assim e eu concordo.
    Isso que vc falou do tempo é incrível também..
    Muito bacana seu texto :)
    beijo grande

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