sábado, 22 de agosto de 2009

Crítica: A Onda

Direção: Dennis Gansel
Roteiro: Dennis Gansel e Peter Thorwarth, baseado no romance de Todd Strasser
Elenco: Jürgen Vogel, Frederick Lau, Max Riemelt, Jennifer Ulrich, Christiane Paul, Elias M'Barek, Cristina do Rego e Jacob Matschenz.


O cinema alemão contemporâneo parece carregar certa preocupação já há considerável tempo, demonstrando através de filmes políticos reconhecer o que o país causou ao mundo, através de sua administração governamental, durante parte do século passado. Ótimos exemplos como Adeus, Lênin!, Edukators e A Vida dos Outros justificam a afirmação anterior, assim como A Onda, filme que se une ao segmento supracitado que, além de agregar mérito à cinematografia alemã recente, serve como base para análises sociológicas muito pertinentes a questões nem sempre levantadas.

A Onda se inicia com uma informação que pode impressionar quem conhece previamente o tema do filme: é baseado em fatos. No filme, o professor Rainer Wenger deve trabalhar com seus alunos a autocracia, embora estivesse esperando a anarquia como temática para sua disciplina de curta duração. Em dúvida sobre como levantar tal assunto em aula, ainda mais quando seus alunos apresentam certo desinteresse, decide demonstrar na prática o significado da autocracia e dos mecanismos fascistas que hoje fazem parte do passado do governo alemão.

Na turma de Rainer, professor que já era admirado por seus alunos anteriormente, em parte por ser jovem e dono de estilo despojado - uma camiseta da banda Ramones é peça de seu vestuário no primeiro dia de aula, por exemplo -, o movimento começa através do sugerido poder pela disciplina, fazendo com que sua turma siga algumas regras a fim de se tornar obediente. Proclamado o líder, Rainer segue alimentando o movimento com indicações, que passam cada vez mais a agradar os alunos: define um nome para o grupo (Die Welle, no original, traduzido como A Onda), um símbolo, um cumprimento e um uniforme. Através de cada pequena imposição o professor vê suas intenções funcionando, mas não as consequências, já que a experiência sai da sala de aula e se torna ideologia dos jovens influenciados. O Die Welle então se torna um movimento do coletivo, que termina com a individualidade e livre arbítrio dos membros em benefício à suposta ordem e união. A manifestação rapidamente se dissipa pela escola e cada vez mais alunos decidem integrar o grupo, que discrimina qualquer um que não faça parte dele.

Ocorrido originalmente na Califórnia, em 1967, o experimento que deu origem ao filme foi batizado de A Terceira Onda e proposto por Ron Jones, professor de história que devia abordar o fascismo em aula. Jones optou pela experiência quando percebeu que seus alunos não compreendiam a declarada ignorância do povo alemão em relação ao extermínio de judeus, durante o regime nazista. O professor decidiu então simular em uma espécie de microcosmo social, composto por ele e seus alunos, o término da democracia para elevar o poder da unidade, enquanto seguia a máxima “força pela disciplina, força pela comunidade, força pela ação, força pelo orgulho”.

Através de ótica pessimista, A Onda funciona tanto como obra cinematográfica inteligente quanto crítica social, embora peque vez ou outra ao inserir resoluções que obviamente favorecem mais o drama que a realidade. Enquanto acerta no tom com que demonstra as transformações vividas pelo personagem do professor, que fica cego pelo controle e não percebe as implicações prejudiciais de seu experimento, o filme apresenta a juventude através de um viés pouco aprofundado, acrescentando personagens inverossímeis que se enquadram em arquétipos recorrentemente utilizados no cinema com ambientação escolar: o esportista popular, a garota inteligente e alternativa, o jovem deslocado e incompreendido, dentre outros.

Com direção competente de Dennis Gansel, realizador que reconheceu a força da história que tinha em mãos e procurou a beneficiar com sua direção, e não se sobrepor a ela, A Onda ainda conta com um elenco que, diferentemente do Die Welle, funciona tão bem na unidade quando no coletivo. Uma boa surpresa é a performance de Jürgen Vogel, intérprete de Rainer, que não desequilibra a narrativa com excessos e apresenta desempenho bastante satisfatório. No roteiro de Peter Thorwarth e do próprio Gansel ainda se percebe a preocupação de ambos em destinarem o tempo correto de participação e destaque tanto ao núcleo adolescente quanto ao personagem do professor, o que serve para que o espectador se integre à realidade da obra em questão e sinta maior empatia e identificação para com seus personagens, assimilando as motivações de cada um para suas atitudes – mas nem sempre as compreendendo ou as aceitando.

A Onda revisita situações e levanta questionamentos que parecem distantes da realidade social de hoje para muitos, mas que são facilmente identificados, uma vez que se considere a homogeneização da população contemporânea, massificada não apenas pela mídia – como corretamente é dito – mas também por si própria. O pensamento fabricado é realidade latente de nosso tempo e aparece no grupo de A Onda como crítica ao comportamento do jovem do novo século, facilmente influenciável, que busca a integração em grupos sociais e abnega sua liberdade individual para fazer parte de algo maior.

2 comentários:

  1. O tema deste filme, por si só, já é um convite para vê-lo. Estas relações de poder instituídas são um viés muito interessante para que analisemos uma sociedade, ou para que possamos analisar um fenômeno histórico, como a segunda guerra mundial. Muito interessante teu comentário sobre a necessidade dos alemães de relativizar a condescendência do povo alemão com o Terceiro Reich, por meio do cinema (fica a dica para um artigo especial). Assim que possível, assistirei o filme.

    Abraçossss

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  2. Olá, Kon!
    Parece-me, por sua crítica, um filme com tema interessantíssimo e muito bem estruturado. Dica anotada.

    Abraçoss

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