sábado, 24 de outubro de 2009

Distrito 9

Direção: Neill Blomkamp
Roteiro: Neill Blomkamp, Terri Tatchell
Elenco: Sharlto Copley, Jason Cope, Nathalie Boltt, Sylvaine Strike, Elizabeth Mkandawie, John Sumner, William Allen Young, Greg Melvill-Smith, Nick Blake

A ficção científica sempre foi um grande campo para metáforas no cinema. Em Distrito 9, filme do estreante Neill Blomkamp, a premissa envolvendo uma nave alienígena pairando sobre Joanesburgo, capital da África do Sul, e a marginalização de seus ocupantes, remete, sem medo de escancarar o símbolo, aos anos do apartheid. A sutileza desta metáfora não é o forte em Distrito 9, mas engana-se quem acha que o filme é só isso, um libelo contra a segregação, um panfleto contra a igualdade das raças, dos direitos humanos. Na verdade, em se tratando do elemento humano a visão de Blomkamp é bem pessimista, crítica do que chamamos de “humanidade”, na ingenuidade de que a simples expressão remeta a algo bom, nobre. E se for humano significar exatamente o contrário? Não estaremos nós imbuindo a palavra “humano” de uma gama de adjetivos que não passam de hipocrisia e autodefesa como casta?

Distrito 9 inicia frio. Sem qualquer senso de grande evento nos é narrada, por meio de depoimentos e imagens, a história da chegada dos aliens a nosso planeta, o que as entidades mundiais fizeram diante disso, e de que maneira foi criada a favela em que eles vivem de forma completamente marginalizada. É quando entra em cena um alto funcionário da MNU, empresa privada que pretende lucrar com a presença dos alienígenas, por meio da exploração do arsenal bélico de alta tecnologia que trouxeram consigo. Wikus van der Merwe, é este funcionário, que simboliza a forma como os humanos veem os diferentes de si. É duro ver como os “camarões“- forma pejorativa pela qual são designados os extraterrestres, por parecerem com crustáceos - são acuados em um ambiente agressivo, dominados de um lado pela força militar, e de outro por milícias de nigerianos que se instalaram em seu gueto para, assim como as grandes e legais corporações, buscar lucro por meio da exploração da miséria de seu povo. Wikus van der Merwe, que concentra as atenções da narrativa desde o início, passa a ser seu definitivo epicentro a partir de um acidente de proporções catastróficas e cruciais para a evolução da história.

Neill Blomkamp é uma grata surpresa em sua estreia na direção de longas-metragens. A investida de seu filme no tom documental, mesclando documentário direto e linguagem visual próxima a de um documentário, é um dos pilares do filme, que possui uma grande e constante sensação de angústia. Se pensarmos que se trata de uma ficção científica é uma escolha arrojada e arriscada. O uso da fotografia em tons terrosos e da câmera muito habilmente móvel quase todo tempo, traz uma ideia de realismo, que, geralmente, passa longe do gênero. É tudo muito orgânico, e esta façanha não seria possível sem os belíssimos efeitos especiais, principalmente os utilizados na construção dos alienígenas que em nenhum momento denotam o artificialismo comum às criaturas digitais.

Distrito 9 é um ótimo filme, que demonstra o frescor de um diretor/narrador muito consciente do texto e, principalmente, dos subtextos com os quais lida na história. Alguns detalhes são pontuais como, por exemplo, a opção de registrar os ET’s como parte de uma sociedade que só caminha junta, tal qual a das abelhas, em contraponto a sociedade dos humanos, que tem no individualismo sua grande característica e, segundo o filme, sua grande perdição. Chega a ser degradante, como humano, constatar que somente tomamos certas posturas e levantamos a bandeira de certas ideologias, quando estes comportamentos nos beneficiam, nos dão algum tipo de vantagem. Nossas atitudes são pautadas pelas circunstâncias e se num momento não estamos dispostos a arriscar a vida por nada, no outro já estamos de arma em punho, pelo simples fato de descobrir que este ato resultará em vantagem pessoal, ou satisfação de uma necessidade particular. Distrito 9 não chega a ser um filme sem falhas (pode-se questionar, por exemplo, a validade de certos momentos de redenção e a utilização de arquétipos de filmes com temática militar), mas as mesmas são indignas de muita atenção se comparadas ao resultado de um filme ágil, muito bem conduzido, que traz originalidade à ficção científica e que propõe tantas questões a cerca de nós como espécie.


3 comentários:

  1. Que texto legal Marcelo!!
    Não vi "Distrito 9" e até agora não vi ninguém falar mal. As pessoas assim como você tem adorado.
    No festival, os ingressos se esgotaram rapidamente pra esse filme. Não à toa, pelo visto.

    beijos

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  2. Celo!
    Agrada-me bastante a premissa desse filme e, impulsionado pelas críticas positivas, se assomando a sua, quero, assim que possível, provavelmente em DVD para locação, conferir.

    Abraçossss

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  3. Infelizmente não consegui pegar o filme ainda no cinema, embora vontade não tenha me faltado. Ótimo ver algo que desperte o interesse no mainstream do cinema produzido nos Estados Unidos... Fato raro nos dias de hoje!

    Abraços Celo! :D

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