segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Origem e o meio termo


Muita gente adorou A Origem, o filme “pequeno” que Christopher Nolan quis realizar antes de encarar uma terceira parte de Batman. Não é um filme pequeno, óbvio, e para constatar isto basta olhar sua lista privilegiada de atores e prestar atenção nos cenários, no refinamento técnico, etc. A Origem é tudo, menos um filme pequeno. De repente, e por isso mesmo, foi há pouco tempo o protagonista de uma polarização de opiniões, entre os supracitados amantes do filme e os que acreditam que ele seja um engodo, um pseudo-biscoito-fino da recente cinematografia americana. A Origem é sucesso de público, de uma massa que vê algo de inteligente nele. Aí uma parte da crítica caiu matando. Parece que quando um crítico mais empedernido vê o espectador médio de cinema, não o cinéfilo, o consumidor casual de cinema mesmo, exultar um filme como sendo genial, absolutamente inovador, ele se deixa levar inversamente por esta empolgação, não raro desproporcional, para lançar um olhar até preconceituoso sobre o objeto de análise. Não é regra, nada é, na verdade, mas que acontece muito, acontece. Vejamos então o caso de A Origem, festejado por alguns como prova de vida inteligente no blockbuster, o filme que veio para tirar o entretenimento do buraco, e por aí vai. É tudo isto? Em parte, só em parte, mas isto não quer dizer que os que não o percebem desta forma, para desautorizar quem o vê assim, precise tornar superlativos seus “problemas” em detrimento de suas inúmeras qualidades.

A Origem não fala sobre as diversas camadas dos sonhos, sobre suas implicações psicológicas ou de alguma ressonância social que o tema possa abarcar. Se colocarmos ele em paralelo com seus concorrentes ao Oscar de Melhor Filme deste ano, veremos que alguns destes rivais são mais abrangentes, tem mais reverberação por conta de tramas carregadas de psicologismos, entornos mais elaborados e tudo mais. O que muitos não notam é que A Origem opera no espectador com muito mais força quando este se dá conta de que o substrato do filme está em seu primeiro plano narrativo, na primeira camada, que ele é um exemplar de ação, carregado da complexidade inerente quando inseridos elementos como: sonhos, projeções, culpabilidade, etc. Entendem? A Origem não é SOBRE estes assuntos espinhosos, não é um libelo acerca da culpa humana, ou sobre os diversos níveis de consciência, no máximo podendo ser enquadrado como contestador do conceito de realidade, mas bem de leve. Ele só utiliza estes ingredientes para dar um ar menos convencional à tipologia básica em que ele se encaixa de fato, que é a de "filme de assalto em equipe".

Para mim está aí o charme de A Origem. É um filme complexo? Não, de certa forma alguns tendem a taxá-lo assim pela bruma que se instala quando queremos controlar matematicamente as camadas dos sonhos que se apresentam no filme, mas em suma ele não é narrativamente complicado. Aliás, Nolan quase erra a mão no embaralhamento entre os níveis da missão subconsciente da equipe chefiada por Dom Cobb, mas o filme é tão dinâmico, seus personagens são tão assumidamente carcaças sem muita profundidade, que não é difícil se ver completamente envolvido com a narrativa, o desenrolar, os belos cenários, os efeitos competentes e a história cativante que alavanca o filme. A Origem é isto, um excelente entretenimento, um filme pipoca cabeçudo que funciona, e muito (pelo menos para mim) num nível que certamente elevaria o blockbuster, caso fosse tomado como parâmetro industrial. Christopher Nolan não fez um filme revolucionário, nada que mereça a alcunha de “obra-prima” ou “novo”, mas afinal de contas realizou algo que de tão interessante e bem executado, merece um lugarzinho de destaque nos bons filmes de ação produzidos nos últimos tempos na indústria americana. Levá-lo a sério demais poderia ser um pecado justificado pela adrenalina que sobra no final da sessão, mas menosprezá-lo poderia se configurar num excesso de preciosismo de uma crítica que geralmente não reconhece os meios termos, que só estabelece relevância quando edifica gênios ou taxa medíocres.

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Gostei muito quando você fala que a crítica não considera os meio termos. É verdade. Essencialmente, os pseudo-críticos.

    Abraçossss

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  2. Marcelo,
    sempre que volto à "ORIGEM" me sinto naquele avião embarcando na possibilidade de ver face a face a realidade (MESMO q INFANTIL). Somos convidados a fazer este roteiro em busca desta proposta, mas seguiremos a trilha dos sonhos por onde as dimensões do espaço e do tempo...são outras. Neste mundo onírico cada passo pode nos levar a perda da nossa âncora histórica. É sob esta ameaça ou proposta que me vejo articulando maneiras de me transformar passando por camadas cada vez mais difíceis acompanhando os personagens neste mergulho... Cada nível é uma surpresa. Cada encontro um personagem se revela o dono da história. Mas existe um treinamento para a VIGÍLIA e para a inserção de IDEIAS no campo das imagens ( personagens)... Esta viagem no espaço/tempo nos aproxima de um cofre ,de um segredo (ou dois) e, como na "bela adormecida", acordamos em pleno Voo para olhar a CARA DA REALIDADE ...ou não?

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