terça-feira, 26 de abril de 2011

Permanências e a rebeldia da inércia

 
Há algo de muito intenso em Permanências, filme mineiro recém selecionado para integrar a competição de médias e curtas na Semana da Crítica do Festival de Cannes. Nele, um conjunto habitacional é cenário e protagonista, e um quê de abandono permeia tanto este monte de concreto, como seus habitantes, justos e indispensáveis coadjuvantes desta experiência poética. A câmera não se move e, neste mundo retratado pelo cinema contemporâneo, sua opção pela inércia, permanecendo fiel aos objetos e/ou às suas gentes, soa quase como um ato de rebeldia, um grito silencioso que busca a liberdade sem alardes. Permanências suscita ainda questionamentos internos quanto a real oscilação das coisas: a cena inicial, com um homem se movendo inconstante ao som de Beethoven, apresenta movimento associado à música ou ambos sobrepostos induzindo o espectador a uma construção própria, independente das verdades do diretor?

Um senhor fala brevemente sobre namoros do passado, uma mulher espera, outra divaga sobre algo esparso enquanto fuma, dando ainda mais ares de decrepitude a seu já cadavérico corpo, e a câmera ali, corajosa e solidária com a imobilidade dos seres. Cansa, às vezes cansa mesmo olhar inadvertidamente para uma mesma cena, um mesmo semblante, sem que quase nada se mexa, sem que algo aconteça, guiados apenas pelas variações sonoras. Mas se o filme nos traz para si, mesmo sendo detentor de momentos que beirem o enfado, é por que nele reside algo substancial, justamente este encantamento pela contemplação, pela observação feita não apenas com os olhos, já que muito da ação de Permanências ocorre fora do quadro, através de sons. O forte do filme de Ricardo Alves Junior está, então, nesta relação entre o que vemos e o que não vemos, entre o que sabemos previamente e o que decidimos submeter, ou à nossa imaginação ou à capacidade de aproximação e envolvimento com o desconhecido.

Um comentário:

  1. Olá, Celo!
    Realmente, a contemplação pode, se não bem guiada, se confundir como que em um degradê, com o enfado.

    Abraçosss

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