O estranhamento delicioso de assistir
a algo reverente e alusivo ao cinema mudo das primeiras décadas do século
passado traz automaticamente uma aura de encantamento a O Artista. Logo, porém, percebe-se o longa do diretor francês
Michel Hazanavicius como obra de êxito não apenas por esta brilhante revisita
formal aos primórdios cinemáticos, uma vez que possuiu méritos além da pura
contemplação de algo trajado tal e qual um simpático senhor perdido no tempo.
A curva descendente da carreira artística
de George Valetin, iniciada pelo ocaso do cinema mudo e nascimento do sonoro, é
base de uma trama romântica, alimentada pela sinergia entre o drama do homem
que sente o chão lhe faltar, e a potência da arte que, enquanto ser vivo e
pulsante, não para de adquirir novas formas, causando deleite e êxtase. A
derrocada do astro pode ser entendida como a própria arte cinematográfica que,
vez ou outra, declina na negociação constante de sua sobrevivência. Já os
coadjuvantes capitaneados por Peppy Miller, atriz de meteórico sucesso e estandarte
do recém gestado cinema sonoro, são quão socorristas do ator vitimado pelo
ostracismo, se recusam a deixar o cinema (bem como seus avatares) morrer à
míngua. Há os precipícios, mas felizmente existem também os apanhadores nos
campos de centeio.
Mas antes que se veja O Artista puramente como libelo filmado à moda antiga pela intenção de refletir sobre certa
“pureza” fundamental perdida na contemporaneidade cinematográfica, ou mesmo o
contrário, como alerta aos opositores das inovações - já que por sua teimosia
em não acolher as novidades o protagonista sofre conseqüências nefastas -, cabe
perceber que o filme abraça amplitudes e paradoxos sem medo. O Artista utiliza ambas as extremidades para
edificar um diálogo aberto, sem que qualquer delas afirme categoricamente ou instaure
restritivos pontos finais. Sim, há um clamor explícito: para que o público
volte a amar o cinema, independente da bitola, formato, granulação, ou qualquer
outra variante.
Um filme preto e branco, mudo, em
plena era do império 3D. Quanta ousadia de Hazanavicius, a de levar o cinema de
volta às origens, quando astros e estrelas não emitiam sons, quando as falas,
pancadas e rajadas de bala ecoavam apenas no caminho entre a visão e a imaginação.
O atrevimento recompensa, pois O Artista
não é apenas um OVNI em meio à produção atual, é uma carta de amor ao cinema,
este ser intangível constituído de imaginário, fascínio, medo, paixões,
desamores, ação, entre outros tantos elementos que se desprendem da tela para
nos modificar. Pois se o cinema não nos modifica, bom cinema não é.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Olá, Celo!
ResponderExcluirBelíssimo texto. Tentarei assistir amanhã.
Abraçossss
LINDO texto Marcelo!Parabéns!Qto a "O artista" ainda não vi.Se antes estava entusiasmada, agora o filme será minha 1a opção, o quanto antes.
ResponderExcluirCelo!
ResponderExcluirQue maravilha de texto, faz jus ao excepcional filme! Vibro agora a espera dos possíveis Oscars, não pela já questionada relevância do prêmio, mas para criar interesse em outros espectadores por tão iluminado filme, de temas tão pontuais indicados por você.
Abraaaaços!
Conrado