quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Cem Nelson Sem Rodrigues


Por Raulino Prezzi

Um dos textos mais densos do dramaturgo Nelson Rodrigues. Depois de, digamos, 25 anos, tive a oportunidade de rever O Beijo no Asfalto, dirigido em 1981 por Bruno Barreto e com um elenco, além de extremamente eclético, de linhagem onde os atores chegavam dos tablados e emprestavam seus fenótipos e talentos para a sétima arte. Reunir num mesmo set, nomes como os de Tarcísio Meira (Aprígio), Ney Latorraca (Arandir), Christiane Torloni (Selminha), Lídia Brondi (Dália), Osvaldo Loureiro, Telma Reston e até mesmo Daniel Filho, só mesmo numa época em que o cinema (sem nada de efeitos) era calcado apenas no fato de fazer qualidade. 

1981...um dos melhores momentos para mostrar Nelson colocando, como sempre, o dedo na ferida. Julgamento? Desejo? Paixão? Traição? Exposição? Ou apenas o fato de realizar um último desejo? O que falar de Arandir, um homem comum, casado, que por piedade dá um beijo na boca de um homem que morre atropelado? Esta ação causa polêmica que gera uma acusação de homossexualidade e arruína a sua vida. Por ser desconhecido. Por apenas um ato, hoje tão corriqueiro (o beijo). Por que tudo se transforma em escândalo pela imprensa sensacionalista. Enfim, essas são apenas algumas questões que pairam na cabeça de quem lê, assiste, ouve e degluta Nelson Rodigues. Ney Latorraca e Tarcísio Meira (digno de um galã da época) ecoam como uma luta masculina de interpretação. Christiane Torloni, linda em sua juventude faz a mocinha do filme, aquela que acredita piamente que o que vale na vida é o amor, nada mais que o amor. E Lídia Brondi (a mais linda ninfeta dos anos 1980) está exemplar no papel da Lolita rodriguiniana que apela quase como um anjo os anseios e desejos sexuais. Seria um ménage à trois, a quatre, cinq, six, sept...os sete pecados capitais latejando nestes corpos sub(urbanos)? 

Este é Nelson, que mexe, remexe, que atiça, que joga a primeira pedra e que principalmente levanta questões tão desejadas e, por que não dizer, excitantes que existem dentro de cada um de nós, naquele cantinho escuro, meio frio, como uma carta na manga. Tudo para fazer a magia se realizar, seja pelo toque, pelo sabor, pela malícia, pelo pulsar e até mesmo aquela pele ferida causada pela fricção e abrasão. “Amor nenhum dispensa uma gota de ácido”. Para ver e rever.
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Texto gentilmente cedido pelo ator e diretor teatral Raulino Prezzi sobre sua revisão de O Beijo no Asfalto,  filme dirigido por Bruno Barreto com base numa peça do eterno "Anjo Pornográfico" Nelson Rodrigues.

2 comentários:

  1. Agradeço ao Raulino pela contribuição com seu olhar bem particular sobre o filme de Bruno Barreto.

    Abraços

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  2. Rau!
    Muito obrigado pela sempre ótima participação.
    Isso me faz lembrar que tenho de ler urgentemente os textos desse ícone das letras brasileiras.
    Como você mesmo diria, "Aplausos".


    Abraçosss

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