quinta-feira, 25 de abril de 2013

Diário de uma Busca


O jornalista Celso Afonso Gay de Castro morreu aos 41 anos, na cidade de Porto Alegre, em ocasião controversa de grande repercussão na mídia da época. Ele teria ingressado junto com um amigo no apartamento do alemão Rudolf Goldbeck, ex-cônsul do Paraguai, e falecido por lá mesmo, em suicídio motivado pela impossibilidade de escapar. Há várias versões, entre elas a que sustenta Celso investigando atividades nazistas no Rio Grande do Sul e Goldbeck como ex-oficial da Gestapo. De qualquer forma o episódio foi traumático e motivou Flávia, filha de Celso, a investir num documentário que resgatasse a figura do pai, para além da projeção insistente após sua morte.

Em Diário de uma Busca é forte esse senso de arqueologia sentimental, com vistas à retomada da figura paterna que feneceu depois de anos militando à esquerda contra a ditadura militar instaurada no Brasil. De pouco em pouco, tal ouvinte atenta dos depoimentos que reconstroem seu pai no plano memorial, Flávia vai também perscrutando os anos de chumbo cuja herança é marca indelével na história brasileira. Ao passo que recria trajetos, primeiro o dos pais e depois o próprio, ela, conscientemente ou não, se faz signatária de toda uma geração nascida e crescida em meio a tempos turbulentos, dias incertos e futuro ainda mais duvidoso.

Cronologicamente reto, exceção feita a alguns desencaixes de tempo necessários para estabelecer certas ligações contextuais, Diário de uma Busca consegue ser extremamente pessoal e familiar, ainda quando aberto às instâncias gerais da situação brasileira de outrora, cujos reflexos se fazem notar nos dias de hoje. A câmera examina documentos, fotos, cartas, e mesmo os interlocutores, com carinho de filha saudosa. O trajeto de Flávia é visivelmente doloroso, afinal de contas, mais que desvendar um crime, ela quer trazer à tona o pai, o passado engajado da família e a luta travada contra sistemas opressores. Nele, por bem, não cai na hagiografia, nem mesmo parece tentada a mitificar Celso e camaradas, inclusive sua mãe.

No Brasil temos experimentado grande profusão de documentários e como em toda aglomeração há bons e ruins, uns relevantes e outros nem tanto. Nesse cenário, o filme de Flávia Castro se destaca justamente por aliar correntes geralmente incapazes de habitar o mesmo projeto: pessoalidade e abrangência. É claro, o tema escolhido clama pelo imbricamento, mas, é bom lembrar, nem sempre talento e oportunidade se amalgamam com facilidade. Felizmente, em Diário de uma Busca há discernimento suficiente para fazer caminharem juntas a busca (conteúdo) e a forma (linguagem), na estrada que leva Flávia de volta ao pai e nós ao encontro do passado que não temos o direito de esquecer. 


Publicado originalmente no Papo de Cinema

Um comentário:

  1. Excelente texto, Celito!
    Documentários. Está aí um gênero do cinema que muito chama minha atenção.
    Felizmente, temos no Brasil produções bem interessantes, tanto do ponto de vista do conteúdo quanto da linguagem.

    Forte abraço.

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