domingo, 22 de setembro de 2013

O Garoto


O vagabundo de chapéu-coco, bengala e sapatos largos construído nas telas por Charles Chaplin sempre foi, na essência, um solitário que troca de cenário, acumula tentativas e experiências para então reaparecer novamente sozinho. Em O Garoto, seu itinerário cruza o do bebê largado à própria sorte pela mãe desesperada por não conseguir sustentá-lo. De início, Carlitos tenta livrar-se do fardo que é cuidar, educar e amar alguém. Vigiado pelo policial de ronda nas cercanias, ele assume a responsabilidade mesmo sem condições financeiras para tal. Dá-se jeito, afinal o bilhete anexo à criança clamava para que alguém zelasse e desse carinho àquele pedaço de gente envolto num cobertor surrado.

Cinco anos se passam e o menino Jonh é fiel companheiro de seu pai adotivo. Eles dormem, acordam, tomam café e trabalham unidos por um amor quase elementar e alheio a laços sanguíneos. Jackie Coogan interpreta esse garoto, personagem secundário dos mais importantes na carreira de Chaplin, se é que podemos tachar “secundário” seu tipo e, sobretudo, a forma como ele o preenche de vida e verdade. O pequeno Coogan mimetiza à perfeição os trejeitos do vagabundo, sua pantomima, tornando-se um duplo que remete à infância sofrida do seu companheiro de cena, igualmente repleta de passagens tristes, miséria e abandono. Dessa maneira, a espontaneidade do jovem intérprete, talhado para o papel consagrador, amplifica Carlitos sob alguns prismas.

Pai e filho sobrevivem por meio do trabalho conjunto. O pequeno estilhaça vidraças para depois seu tutor oferecer os serviços de reparo. Assim, eles cuidam um do outro, isso também evidenciado nas cenas domésticas, ora o vagabundo a servir o jantar, ora o garoto na incumbência de por a mesa do café da manhã. Mas após moléstia qualquer, o menino é retirado de Carlitos para ser levado ao orfanato, pois, segundo as autoridades, ele seria mais bem cuidado longe de tanta pobreza e falta de estrutura. Numa das mais belas e lacrimosas sequências do cinema, o pai alcança sua criança antes que os frios funcionários da lei a levem. Beijos, choro e abraços carinhosos, gestos eternizados em nossas retinas marejadas. Difícil conter a emoção diante do reencontro.

Paralelo ao drama, a mãe do menino, agora atriz renomada, tornar-se benfeitora dos pobres para aplacar o remorso de ter abandonado o filho. Ela logo entrará na vida da dupla, indicando à trama o caminho de um final feliz, menos agridoce que o percurso poderia indicar. Antes, ainda há espaço para certa sequência onírica, onde se confrontam anjos e demônios, guinada artístico-poética semelhante à vista no curta-metragem Idílio Campestre, na qual o ator-diretor dança com ninfas. O Garoto é emblemático na carreira de Chaplin, dos seus títulos mais celebrados, justo por conjugar risos e lágrimas, comédia física e melodrama, apelando ao interior dos espectadores como só as grandes obras conseguem, sem maquinações ou truques baratos, e sim com a sinceridade das que guardam todos os corações do mundo em sua aparente inocência.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

2 comentários:

  1. Belíssimo filme, belíssimo texto.
    Grande abraço, Celo.

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  2. Obrigado, Rafa.

    Certamente um dos filmes mais bonitos e genuinamente emotivos que já assisti.

    Abraços

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