quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Um Alguém Apaixonado


Um Alguém Apaixonado, segundo filme não iraniano do diretor Abbas Kiarostami, se passa no Japão, mas poderia ser ambientado em qualquer lugar, já que o cineasta evita tanto a abordagem turística quanto a tentativa de fazer-se senhor de uma cultura alheia a sua. Então, mesmo inevitavelmente influenciado pelo meio, ele obtém certo universalismo na trama que segue a jovem Akiko, universitária vinda de província e prostituta para vingar na capital. Lá pelas tantas, caberá a ela atender um senhor bastante distinto, mais interessado em conversar e ter companhia que propriamente em sexo.  

Quem é Akiko? Como ela conheceu seu noivo enciumado e por que ainda está com ele? Quais as intenções do idoso, por vezes tão paternal? O espectador afoito por respostas e perfis completos poderá se desapontar com Um Alguém Apaixonado, definitivamente um filme que não fornece todos os retornos. Algumas lacunas serão preenchidas pela plateia, mas para outras tantas restará a bruma, quando muito, da especulação. Os personagens assumem posturas diversas num fluxo bastante orgânico e semelhante às experiências cotidianas. Por sinal, esse é o nível no qual deveríamos discutir o tão alardeado cinema verdade e não necessariamente naquele que tange apenas as características estéticas.

Mesmo fruto de uma inquietação para lá de relevante, Um Alguém Apaixonado empaca vez ou outra. Por exemplo, a partir da entrada em cena do noivo de Akiko, ela se ausenta com frequência do protagonismo (e da tela). Claro, até isso se justifica quando entendemos outra das características do filme: muita coisa acontece fora do campo de visão, este infiltrado por sons externos e outros acontecimentos invisíveis, porém de extrema importância. Assim, não restam dúvidas quanto às habilidades de Kiarostami tal criador, mas aqui se pode objetar o modo como ele privilegia a forma em detrimento do conteúdo.

No final das contas, Um Alguém Apaixonado aponta para a continuidade, não apenas da exploração de novos cenários, mas, e, sobretudo, da busca de Kiarostami por ampliar suas já manifestas preocupações com questões de importância artística e humana (encenação, verdade, relacionamentos, etc.). Perder ou não o interesse no decorrer do longa é de ordem particular, e quem sabe minha apatia gradativa frente ao desenvolvimento do enredo tenha a ver com uma necessidade própria (neste caso não suprida) de ver algo que transcenda o cinema enquanto linguagem, configurando-se em arte mais voltada ao homem que à gramática do cinema. De qualquer forma, está valendo, e muito.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

2 comentários:

  1. Bom, Kiarostami é sempre Kiarostami. Mesmo em momentos de pouca genialidade, certamente, está acima de muita gente badalada.

    Grande abraço.

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  2. Rafa,

    Com certeza, mesmos longe da genialidade de alguns filmes de Kiarostami, esse vale bastante por partes isoladas, aliás mais do que costumamos lucrar com certos filmes inteiros.

    Abraços

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