Um Alguém Apaixonado, segundo filme não iraniano do diretor Abbas
Kiarostami, se passa no Japão, mas poderia ser ambientado em qualquer lugar, já
que o cineasta evita tanto a abordagem turística quanto a tentativa de fazer-se
senhor de uma cultura alheia a sua. Então, mesmo inevitavelmente influenciado
pelo meio, ele obtém certo universalismo na trama que segue a jovem Akiko,
universitária vinda de província e prostituta para vingar na capital. Lá pelas
tantas, caberá a ela atender um senhor bastante distinto, mais interessado em
conversar e ter companhia que propriamente em sexo.
Quem é Akiko? Como ela conheceu seu
noivo enciumado e por que ainda está com ele? Quais as intenções do idoso, por
vezes tão paternal? O espectador afoito por respostas e perfis completos poderá
se desapontar com Um Alguém Apaixonado,
definitivamente um filme que não fornece todos os retornos. Algumas lacunas
serão preenchidas pela plateia, mas para outras tantas restará a bruma, quando
muito, da especulação. Os personagens assumem posturas diversas num fluxo
bastante orgânico e semelhante às experiências cotidianas. Por sinal, esse é o
nível no qual deveríamos discutir o tão alardeado cinema verdade e não
necessariamente naquele que tange apenas as características estéticas.
Mesmo fruto de uma inquietação
para lá de relevante, Um Alguém
Apaixonado empaca vez ou outra. Por exemplo, a partir da entrada em cena do
noivo de Akiko, ela se ausenta com frequência do protagonismo (e da tela).
Claro, até isso se justifica quando entendemos outra das características do
filme: muita coisa acontece fora do campo de visão, este infiltrado por sons
externos e outros acontecimentos invisíveis, porém de extrema importância. Assim,
não restam dúvidas quanto às habilidades de Kiarostami tal criador, mas aqui se
pode objetar o modo como ele privilegia a forma em detrimento do conteúdo.
No final das contas, Um Alguém Apaixonado aponta para a
continuidade, não apenas da exploração de novos cenários, mas, e, sobretudo, da
busca de Kiarostami por ampliar suas já manifestas preocupações com questões de
importância artística e humana (encenação, verdade, relacionamentos, etc.). Perder
ou não o interesse no decorrer do longa é de ordem particular, e quem sabe
minha apatia gradativa frente ao desenvolvimento do enredo tenha a ver com uma
necessidade própria (neste caso não suprida) de ver algo que transcenda o
cinema enquanto linguagem, configurando-se em arte mais voltada ao homem que à
gramática do cinema. De qualquer forma, está valendo, e muito.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Bom, Kiarostami é sempre Kiarostami. Mesmo em momentos de pouca genialidade, certamente, está acima de muita gente badalada.
ResponderExcluirGrande abraço.
Rafa,
ResponderExcluirCom certeza, mesmos longe da genialidade de alguns filmes de Kiarostami, esse vale bastante por partes isoladas, aliás mais do que costumamos lucrar com certos filmes inteiros.
Abraços