CINE HOLLIÚDY é um filme joiado,
como diriam os cearenses. O diretor Halder Gomes mostra algo verdadeiramente
popular, não popularesco tal as globochanchadas. Recheia sua trama de
personagens carismáticos e arquetípicos, comenta a própria luta do cinema para
sobreviver ante as novas tecnologias (e em 1970, época na qual se passa, a TV
era sua grande ameaça), e se apoia no idealismo de Francisgleydisson, exibidor
de filmes, apaixonado tanto por artes marciais, quanto por contar histórias. Falado
em “cearencês”, com expressões bastante locais (por isso as legendas), CINE
HOLLIÚDY faz rir sem apelar tanto e parece repleto da memória afetiva de seu
criador. Além disso, Edmilson Filho, intérprete do protagonista, é uma
descoberta das boas. CINE HOLLIÚDY aproxima o cinema e o povo nordestino, já
que ambos são, antes de tudo, uns fortes.

PAIXÃO E ACASO é precário, para
dizer o mínimo. Na trama adaptada de uma peça do e pelo próprio Domingos
Oliveira, certa psicanalista recebe visitas de um ente querido morto (vestido
como Humphrey Bogart) e, seguindo conselhos do além, acaba se apaixonando por
pai e filho ao mesmo tempo. Uma confusão amorosa sem graça, com piadas e
situações forçadas, atuações discutíveis e um desleixo estético típico de
alguns longas de Domingos, mas aqui sem, pelo menos, o apoio de um bom texto.
Fica difícil achar qualquer passagem interessante. Os pacientes da
protagonista, e suas respectivas sessões, a intrusão de um narrador inútil e de
“fantasmas” idem, tudo soa amontoado e liquefeito em meio a diálogos repletos
de auto importância injustificada pelo conteúdo raso. Enfim, esquecível.

Já PRIMEIRO DIA DE UM ANO
QUALQUER, do mesmo Domingos Oliveira, merece alguns bons elogios. Pode não
estar no nível de SEPARAÇÕES, ou de TODAS AS MULHERES DO MUNDO, (neste caso, se
quisermos tornar a comparação quase covarde), mas tem boas passagens sobre
aquilo que o cineasta parece mais apreciar: pessoas e os infortúnios de certos
relacionamentos. Na história, várias pessoas passam o primeiro dia do ano numa
propriedade fluminense afastada do centro. Todos ricos e bem sucedidos, ou
quase todos, eles, contudo, não são imunes a desilusões amorosas, decepções,
infidelidades, rancores e outros pesares. Por mais que haja exposição de uma
boa parcela de problemas, PRIMEIRO DIA DE UM ANO QUALQUER é um filme otimista,
que transborda a paixão de seu criador pela complexidade humana, paixão esta
tão bem verbalizada em dado momento pelo personagem interpretado por ele
próprio.

Lá do início da carreira do
argentino Gaspar Noé, vem CARNE, média-metragem com muitos dos elementos
recorrentes nos posteriores filmes do cineasta. Abre com a morte e o
esquartejamento de um cavalo, evento seguido de parto registrado quase em close
da genitália feminina. Morte e vida irmanadas na carne que sangra. O
protagonista é um açougueiro irascível e obcecado pela filha. Em dado momento, ele
agride violentamente um inocente por suspeitar dele como abusador da menina. A
crueza da imagem combina muito bem com a aridez emocional desse personagem
principal. A montagem é dinâmica, algumas transições provocam desconforto
(proposital) e auxiliam na criação de uma atmosfera muito particular, onde
explode a barbárie constatada muito mais nos atos e pensamentos do açougueiro,
do que propriamente na sua rotina de abater animais e fazer deles alimento.

Os 179 minutos de AZUL É A COR
MAIS QUENTE passam que a gente nem sente. Abdellatif Kechiche mostra, mais uma
vez, sua capacidade quase irrepreensível de naturalizar o que o cinema tende a transformar
em espetáculo quase por vocação. O amor entre as duas garotas, a jovem Adèle e
a calejada Emma, surge à primeira vista e avança como qualquer outro. As cenas
de sexo são fortes e bastante excitantes, mas fiquei com a impressão de que a
reiteração delas não acrescenta muito ao todo. AZUL É A COR MAIS QUENTE é sobre
a educação sentimental de Adèle, seu crescimento pessoal mediado por um grande
amor. Antes que eu esqueça, assim como em O SEGREDO DO GRÃO, Kechiche utiliza
exemplarmente a comida como alusão à herança familiar. Há muito mais o que
falar do filme, inclusive certas relativizações, mas o espaço é curto. Independente
dos superlativos utilizados para defini-lo (a meu ver, alguns muito
justificados, outros nem tanto), AZUL É A COR MAIS QUENTE é obrigatório dentre
os filmes em cartaz. Já dá até vontade de rever.