Um dos maiores acertos do diretor
Denys Arcand foi injetar dose generosa de humor em A Era da Inocência. Ela faz toda diferença em meio a um cenário semelhante
ao de O Declínio do Império Americano
e de As Invasões Bárbaras. A
realidade enfadonha, beirando o insuportável, faz com que o protagonista Jean-Marc
fuja para uma atmosfera onírica, engraçadíssima. Se todo sonho é também uma
representação do nosso desejo inconsciente, recalcado, podemos imaginar que
Denys Arcand sugeriu exatamente essa ideia como cerne de seu filme.
Amarrado a certa asfixia do mundo
real, Denys Arcand conduz A Era da Inocência
do início ao fim, sem abandonar essa ideia, nos provando de algum modo que não
estamos livres da inércia da vida, das mazelas desta e da grande ilusão que
construímos para torná-la suportável. O fim da trilogia me parece absolutamente
coerente com a proposta de Arcand.
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Que outra coisa a fazer quando a
vida se burocratiza ao máximo, senão recorrer à fantasia como refúgio? O
protagonista de A Era da Inocência,
pai de filhas alienadas, marido de uma esposa workaholic, escravo de um emprego
público chato, “transforma” a si mesmo constantemente em alguém extremamente
bem sucedido – rodeado de lindas mulheres que o desejam – para aliviar sua
existência vazia. Denys Arcand provavelmente nunca foi tão abertamente crítico
como nesse filme. Também, quem sabe, nunca se focou tanto num personagem,
fazendo brotar de sua experiência íntima um mal-estar comum.
Se as cidades estão tomadas por
uma espécie de vírus que as transformam em reinos do inóspito, do automático,
por que não retornar ficticiamente à Era onde tudo era mais primário e simples?
A Era da Inocência lança luz sobre
uma sociedade à beira do colapso, cujo maior efeito colateral é a total
desumanização do humano. Nesse cenário, lúcidos são aqueles que buscam maneiras
de escapar, de fazer do seu mundo um lugar melhor, nem que para isso seja
necessário viver no limiar entre a sanidade e o delírio. Ou, quem sabe, seja
necessário renunciar aos vícios do progresso para continuarmos evoluindo
enquanto espécie?
Ótimas reflexões.
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