Mais um belo filme argentino de
gênero, esse Tese Sobre um Homicídio, estrelado
pelo onipresente Ricardo Darín. Aliás, é por meio da exploração dos diferentes
gêneros – e não no descarte deles, como bem fazemos com frequência no Brasil em
prol de longas pretensamente “genuínos e nacionais” – que a cinematografia
hermana se consolidou a mais plural e relevante da América do Sul. Neste thriller, temos embate intelectual próximo
àqueles muitas vezes motrizes dos suspenses de Alfred Hitchcock. Também
semelhante ao itinerário criativo do diretor de Festim Diabólico, Hernán Goldfrid procura resolver primeiro a
narrativa em termos visuais para depois recorrer às palavras.
Em Tese Sobre um Homicídio, o especialista em direito criminal Roberto
Bermudez (Ricardo Darín) leciona no imponente prédio da Faculdade de Direito da
Universidade de Buenos Aires. Sujeito apaixonado pela arte de encontrar
respostas – e culpados – nos detalhes, ele se vê confrontado por um jovem
estudante regresso da Espanha. Gonzalo (Alberto Ammann), esse aluno, não
esconde por trás da aparente diplomacia a astúcia de alguém talhado para ser
tudo, menos ordinário. Após crime brutal nas imediações, Roberto passa a
suspeitar que Gonzalo seja o assassino e logo intui fazer parte de jogo no qual
a inteligência definirá vencedores.
A linguagem privilegia a
construção ao mesmo tempo compassada e nervosa do clima. Roberto investiga por
conta própria como se fisgado pelo oponente sagaz que faz frente à sua
capacidade dedutiva. Já Gonzalo permanece enigma apenas parcialmente desvendado
pela imagem projetada muito a partir das percepções de seu “inimigo”. Será ele
culpado ou vítima das desconfianças infundadas do mestre enciumado ante sua
arrogância? Tese Sobre um Homicídio,
então, extrai força da dúvida, do suspense criado sobre certezas instáveis que mudam
constantemente o direcionamento de nosso olhar. Se na primeira parte confiamos
na culpa de Gonzalo, na segunda relativizamos os julgamentos precipitados e a
possibilidade do acaso como tempero antes refutado por Roberto.
O mais interessante, porém, é Tese Sobre um Homicídio utilizar o crime
quase como desculpa para o duelo psicológico/racional ora aparentemente real
ora semelhante à obsessão cega. Dois homens brilhantes travando batalha velada
por supremacia intelectual ou a construção solitária da culpabilidade alheia?
Por mais que a verdade esteja ali, na nossa frente, teimamos em desconfiar. Engenhosa
maneira de prender a atenção do público, atingindo assim a finalidade maior do
suspense. Inevitável comparar Tese Sobre
um Homicídio com O Segredo dos Seus
Olhos, ainda que tal movimento desfavoreça o primeiro, mais pela amplitude
da obra de Juan José Campanella que por suas poucas fraquezas. O filme de Hernán Goldfrid é inteligente do
conceito à execução, excelência pouco vista até mesmo nos berços do gênero ao
qual se filia com autoridade.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
O cinema argentino evolui ano após ano. Infelizmente, no Brasil há muitos talentos marginalizados, com pouco ou nenhum apoio para produzir fôlego e vida nova à produção nacional.
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