quarta-feira, 20 de maio de 2015

Doses Homeopáticas #43


Difícil conter a emoção em alguns momentos de A FAMÍLIA BÉLIER. O filme de Eric Lartigau é uma comédia dramática que não cai no pastelão e nem se entrega à solenidade. A protagonista é uma menina nascida no seio de uma família com deficiência auditiva. Ela é a única que escuta e fala, servindo, por isso mesmo, como facilitadora entre os seus e a maioria. Mas chega o momento de crescer, de vislumbrar perspectivas em virtude de um talento vocal, o que é no mínimo irônico para sua situação. Lartigau investe nas ligações familiares, expondo contradições, ressentimentos, questões que afligem particularmente cada um. Os pais não têm medo “perder” a filha para a Paris das oportunidades, mas temem a solidão, num egoísmo assumido. A menina, por sua vez, precisa sair do ninho para encontrar a própria identidade. Duas cenas específicas mostram a qualidade do filme: o dueto abafado pela experiência dos não ouvintes e certa apresentação, mais para o final, mediante a qual as lágrimas vêm fáceis, instigadas pela expressão da ruptura que antecede a vida adulta. 


O israelense VIRE À ESQUERDA NO FIM DO MUNDO soa tortuoso no começo. Diversos grupos de ascendência judia convivem num pequeno povoado multinacional. Trabalhadores, eles precisam pegar no pesado, lutando por uma vida melhor. O viés meio esquemático inicial vai dando lugar a observações mais sutis. As protagonistas são duas meninas, uma filha de família indiana, outra de linhagem francesa. Descoberta sexual, frustrações, amadurecimento, tudo se insere no cotidiano delas que precisam, ainda, lidar com diferenças culturais. Mesmo que encenação às vezes não dê conta de expressar convincentemente os sentimentos e as situações, o filme sai-se relativamente bem no que diz respeito a delinear o percurso das meninas que descobrem no outro a pluralidade necessária à suas evoluções particulares. Situações em tese tabu, como o beijo entre elas ou o sexo entre aluna e professor, não são alardeadas em demasia, vistas, assim, como parte orgânica do processo de tatear o mundo novo. Um filme peculiar que conquista aos poucos.


Rogério Sganzela foi um dos nossos cineastas mais libertários. Dentro de sua filmografia, COPACABANA MON AMOUR expressa como poucos essa necessidade de emancipar o cinema das convenções, de quebrar fluxos temporais e narrativos em busca de sensações menos condicionadas pela progressão tradicional. A loira Sonia Silk perambula pelo Rio de Janeiro, da favela à Copacabana, acompanhada de perto por uma câmera trepidante que registra seu vazio, a necessidade de vez ou outra bradar contra as instituições e as expectativas. Seu irmão, fantasma terceiro-mundista que canta o amor pelo patrão e a dependência ontológica da classe mais favorecida, a segue falando a língua dos orixás. A cronologia é fragmentada, talvez para que não fiquemos por demais reféns do tempo que, assim, transcorre desordenado. A trilha sonora de Gilberto Gil, as tomadas que contrapõem a opulência turística do asfalto e a pobreza do morro, as incorporações dos personagens pelos intérpretes, tudo isso faz do filme um prato cheio a quem busca uma experiência única, fruto de inquietações que se apropriam do cinema para emergir enquanto lamento e, sobretudo, grito de alforria.    

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