terça-feira, 24 de novembro de 2015

Doses Homeopáticas #55



Como li por aí, QUE HORAS ELA VOLTA? corre o risco de ser eclipsado pela atuação de Regina Casé. Mas, para além desse trabalho excepcional de interpretação, fica a visão madura e muito bem construída das tensões sociais ainda muito vivas no Brasil. Lugares pré-determinados, ambientes exclusivos, artigos de consumo restrito, são muitos os detalhes que evidenciam os abismos responsáveis por separar classes. Da perplexidade da patroa com a “petulância” da filha da empregada que deseja cursar arquitetura numa concorrida faculdade pública à própria reação da personagem de Casé à maneira desavergonhada com que Jéssica reivindica espaços, tudo está a serviço de uma visão bastante ampla, não restrita aos estereótipos e arquétipos, flertando com tais expedientes apenas como forma de sustentar papeis que deles realmente se alimentam. A cena da piscina é emocionalmente forte, possui simbologia política diretamente ligada às conquistas das classes C e D nos últimos anos. A vitória que quebra a hereditariedade da miséria propicia a ocupação de lugares até então restritos por uma lei não escrita, proporcionando esperança de liberdade e crescimento, onde antes havia apenas servilismo. Um ótimo filme.


CORRENTE DO MAL vem sendo celebrado como exemplo de vida inteligente no cinema contemporâneo de horror, não sem razão. O clima de tensão é constante nessa trama centrada na garota que recebe uma maldição após transar. Por mais que corra, se afaste, seja onde estiver, ela é perseguida por uma entidade macabra que assume formas diversas. Para livrar-se, precisa fazer sexo e passar adiante a praga. A câmera se incumbe de boa parte do clima de opressão, com personagens desavisados enquanto ao longe vemos a aproximação do perigo, por exemplo. O diretor David Robert Mitchell constrói habilmente uma atmosfera carregada de apreensão, impregnada da sensação de morte iminente. Não há muito tempo para a protagonista problematizar seu dilema – passar ou não adiante a força maligna – já que cada instante de reflexão mais demorada pode significar a aproximação do perseguidor e de suas intenções assassinas. Não há explicações de origem, pois o que importa são as consequências. Pode não ser uma obra-prima, mas não faz feio diante de bons exemplares do gênero, sobretudo alguns dos anos 1980. 


LOVE, mais recente filme de Gaspar Noé, chama a atenção, à primeira vista, pelo despudor, pela maneira explícita com que mostra o sexo, a carnalidade do amor. Masturbações, felações, penetrações e o gozo, tudo irrompe na tela menos pelo potencial do choque e mais para materializar o amor e a posterior dor da perda. O corte deflagra a ausência, ausência do corpo de Electra, da mulher que se foi deixando Murphy numa vida burocrática. Sem reverência alguma à cronologia, Noé constrói aos poucos, aos solavancos, a história de um sentimento que parou de tanto pulsar. Há um desequilíbrio entre a primeira e a segunda parte, pois com o passar do tempo percebemos reiterações indesejadas. Contudo, ainda que não seja isento de percalços, o filme de Noé dá conta de exteriorizar uma dor que parece particular demais para ser cinematográfica, no sentido espetacular que o termo às vezes carrega. Frustração, tempo perdido, tudo está ali, entre uma transa e outra, na busca pelo equilíbrio entre as forças que emanam das relações. Cinema sensorial, que excita e nos permite criar empatia com os personagens que vagam buscando momentos de felicidade.

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