segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Doses Homeopáticas #53


Em MISS JULIE é lacerante a tirania do desejo, mais especificamente da impossibilidade do gozo sem culpa, em virtude dos grilhões das convenções sociais. Tudo principia num jogo de submissão, em que o cavalariço resiste até onde é possível ao assédio da filha do Barão, sua patroa, no mais das vezes semelhante a uma menina mimada. O empregado é feito um animal encurralado pela dona sádica. A terceira personagem deste filme de Liv Ullman é a cozinheira que testemunha tudo, não sem seu próprio investimento emocional. A consumação muda as coisas, bagunça as máscaras que aqueles pessoas usam, precipitando um torvelinho de agressões motivadas por poderes alheios ao controle dos que digladiam. Embora se passe quase num único cenário, o filme não se presta ao pejorativamente chamado “teatro filmado”. Há muito cinema na câmera que ora desliza contemplando, ora muda bruscamente de face a face, só para citar o aspecto da imagem. Colin Farrell, Jessica Chastain e Samantha Morton, que trio em cena. Dona de um olhar muito particular às vicissitudes do humano, Liv Ullman busca apoio em Strindberg para fazer um ótimo filme.


DRÁCULA DE BRAM STOKER é um conto de amor trágico centrado no senhor dos vampiros. A cena em que o príncipe regresso da guerra renega Deus após deparar-se com sua amada morta é primorosa. A armadura em forma de músculos tem duplo significado, pois, ao passo em que aterroriza pelo visual é uma metáfora à exposição do personagem de Gary Oldman às brutalidades do mundo. Simbolicamente sem pele, depois literalmente sem alma, ele vaga séculos até encontrar novamente sua amada. A sensualidade anda de mãos dadas com o perigo, a sedução é a arma do demônio para angariar soldados ao seu exército. A imagem barroca, a trilha sonora, a progressão dos personagens por cenários claramente construídos em estúdio, tudo remete à abordagem clássica dos contos de terror pelo cinema. O drama maior é o do próprio Conde Drácula, um homem que devota vida e morte ao amor que perdeu para as traquinagens do desconhecido. A criatura repugnante se transmuta em nobre para reaver sua paixão, para reconciliar-se consigo mesmo. Os outros personagens são meras peças, agentes que ajudam a história a progredir até o desfecho doloroso. Antes de ser um demônio, Drácula é vítima da desgraça nessa obra-prima de Francis Ford Coppola.


Calvero é um palhaço arruinado pela passagem do tempo. Embriagado, ele salva uma jovem bailarina que tenta se suicidar. Por conta desse encontro inusitado, motivada pelas palavras do homem mais velho por quem se apaixona, ela se recupera e começa uma carreira ascendente. Já ele remói as próprias feridas, bebe cada vez mais para esquecer o fracasso. LUZES DA RIBALTA fala sobre o crepúsculo do artista, aquele instante em que ele passa a não mais interessar como antes. Dar passagem aos mais novos pode ser um esforço hercúleo, bem maior que um simples gesto altruísta. Chaplin homenageia os que viveram no palco, nas telas, mas que sucumbem inevitavelmente ante a velocidade com que o público cobra coisas novas. O relacionamento de seu personagem com a menina devotada e agradecida é o ingrediente romântico dessa tragédia inevitável. Ele sabe que não há como fazê-la plenamente feliz, por isso, como muitas vezes o vagabundo de chapéu-coco fez, renuncia ao amor em prol do futuro alheio. A lamentar apenas o pouco tempo em que Carlitos e Buster Keaton contracenam e alguns esquetes que se estendem ligeiramente. No mais, um grande filme. 

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