domingo, 21 de setembro de 2008

Crítica: Ben X - A Fase Final

Direção: Nic Balthazar
Roteiro: Nic Balthazar
Elenco: Greg Timmermans, Laura Verliden, Marijke Pinoy, Pol Goossen.

“Para os seres atentos, o mundo é um só”.
Heráclito

Nunca se viu tempo onde essa frase fizesse maior sentido do que o presente, onde as tecnologias virtuais gradativamente proporcionam (ou causam?) mudanças de aspecto extraordinário em nossa sociedade.

Ben apenas é uma das muitas pessoas que, infelizes com a própria realidade, se apegam a esse mundo virtual deixando em segundo plano suas legítimas vivências. “Ben X” fala sobre Ben e seu grau de envolvimento com o jogo Archlord e os desdobramentos implicados pelo mesmo em seu cotidiano, somados com o que o torna ainda mais desigual perante aos outros: a síndrome de Asperger, uma espécie mais leve de autismo.

A premissa por si só, que já é genial, quando inserida no roteiro e direção visionários de Nic Balthazar é levada a proporções fantásticas. O roteiro de Balthazar é complexo, porém guiado de forma branda e muito bem resolvida. As questões levantadas por sua narrativa vão desde o amplamente discutido conceito da virtualidade contra a realidade até a abnegação do ser ao seu “eu - próprio”, quando sugere o descarnamento de Ben perante a ficcionalidade de seu jogo.

Greg Timmermans, o intérprete de Ben, desenvolve seu personagem de forma brilhante e coesa, e deixa em evidência juntamente com o trabalho de Balthazar as dificuldades enfrentadas por seu personagem, dada sua condição. Ben já seria um pária por viver fantasiando seu dia-a-dia, e isso somado à síndrome que o afeta gera incompreensão por parte de seus colegas de escola, o que provoca conseqüências extremamente lamentáveis.

Se for difícil para o espectador compreender as ações de Ben, basta analisar a febre que causa jogos como “Second Life” ou mesmo os semelhantes ao Archlord (que realmente existe), como “World of Warcraft” e “Ragnarok”. O jogador vive uma outra realidade e passa a se relacionar com outros jogadores, a fazer amigos e compartilhar experiências, porém muitas vezes sem nunca ver ou falar diretamente com a outra pessoa. Essa possibilidade muitas vezes causa o afastamento da pessoa de sua realidade, e com Ben isso é potencializado também por sua condição psicológica.

Em sua direção Balthazar se arrisca e inova, ao utilizar uma técnica chamada Machimina (híbrido de machine cinema, ou cinema maquínico), que consiste na utilização de atores criando interpretações para personagens virtuais do jogo Archlord. Toda a seqüência inicial de “Ben X” e diversas outras de grande importância para a trama são geradas através dessa técnica, o que em nenhum momento torna o filme enfadonho ou causa estranheza. Da forma com que são inseridos e dispostos na história, são de fundamental importância, como na cena onde Ben divaga sobre a facilidade com que um personagem pode ganhar os atributos físicos que seu criador desejar, enquanto se olha no espelho e analisa sua própria fisionomia, com certo desgosto. Uma outra opção do diretor que é acertada, a de trabalhar com depoimentos dos personagens secundários que vez ou outra interrompem sua narrativa, gera expectativa ao público que espera saber qual a utilidade de tais cenas para o filme. Se por vezes os comentários são repetitivos e o recurso não seja inovador, o todo e principalmente o desfecho da trama compensam essas pequenas seqüências.

O que assusta, e pode causar certas crises de consciência ao espectador de “Ben X” diz respeito à forma com que nós vivemos nossas realidades. Estou escrevendo esse texto fazendo o uso de uma tecnologia virtual, não palpável. E você leitor, faz parte da mesma realidade, lendo os mesmos escritos através desse meio cibernético. O filme aqui analisado, por mais que supostamente seja baseado em fatos, é irreal, fictício, assim como o cinema (salvando a produção documental, porém não em sua totalidade). Estaríamos por tanto vivendo um simulacro, onde o real fica em segundo plano pelo tempo necessário para que se viva a realidade de outrem.

Como se pode então criticar Ben ou outras pessoas por recusar o real e se apegar tanto no virtual sendo que nós próprios, aficionados a um meio em comum, o cinema, deixamos de lado nossa realidade para cultuar algo não concreto? Existem muitas teses que responderiam essa questão através de diversas perspectivas, porém não se faz necessário expressar minha opinião própria a respeito, já que cabe a cada um, quando o interesse existir, refletir sobre as razões que o faz despregar-se de seu “eu próprio” para viver o fascinante ficcional do cinema.


Texto publicado originalmente em: www.cineplayers.com

3 comentários:

  1. Olá, Kon!!
    Cara, bem bom seu texto. Faria um paralelo, de acordo com seu texto, com "O Mito da Caverna". Ben, me parece pegado ao mundo das idéias, negando o imperfeito mundo real em que de fato está inserido.

    Abraçossss

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  2. Opa Kon,

    Esta questão, a dos mundos virtuais e sua influência no chamado mundo real, é tão intrigante e vasta que, por si só, merece um post (isso foi uma encomenda..hehehe). Com esta premissa interessantíssima e acompanhado de seus comentários de que "A premissa...levada a proporções fantásticas." e "Greg Timmermans, o intérprete de Ben, desenvolve seu personagem de forma brilhante" fazem com que eu o coloque à frente na minha fila de espera. Deve ser um excelente filme mesmo..

    Abraços

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  3. Olá Conrado!

    Temos aí um grande filme! E como em qualquer grande filme, um excelente objeto de reflexão!

    Estes mundos paralelos são atenuados pelo grau de autismo da personagem principal, o qual só encontra uma presente identificação com o mundo virtual - onde lá ele é visível aos olhos da sociedade.

    Fora do jogo, o protagonista é invisível. Ninguém nota sua presença. Este sentimento de invisibilidade fará com que ele apareça somente quando o seu medo é maior que a sua inexistência.

    Sobre esta virtualização do mundo, procure alguma coisa sobre o filósofo francês Jean Baudrillard (em meu blog tem alguma coisa dele), que inspirou, inclusive, a trilogia Matrix ao disseminar o conceito de hiper-realidade.

    Ficará mais claro que o nosso mundo nem é tão mais real assim do que o mundo de Ben X!

    Ótimo texto!

    Abraços,

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