sábado, 2 de janeiro de 2010

Cenas de um Casamento

Direção: Ingmar Bergman
Roteiro: Ingmar Bergman
Elenco: Liv Ullmann, Erland Josephson, Bibi Andersson, Jan Malmsjö, Gunnel Lindblom, Anita Wall, Barbro Hiort af Ornäs

Cenas de um Casamento é uma série exibida na televisão sueca na década de setenta que fez, além de muito sucesso, aumentar consideravelmente o movimento nos consultórios de psicologia familiar e nas sessões de tribunal dedicadas ao divórcio. Escrita e dirigia por Ingmar Bergman, a série, que em muitos países teve sua duração suprimida para exibição nos cinemas, fala sobre o casamento de Johan e Marianne, duas pessoas bem sucedidas profissionalmente, que passam aos amigos e familiares a imagem da união plena, do relacionamento modelo. Dez anos de um casamento aparentemente perfeito, mas que esconde feridas abertas, repressões, mágoas e um embate devastador entre o amor e a rotina, não exatamente aquela que sistematiza nossos dias, mas a que faz, dos sentimentos, reféns das neuroses, da falta de auto-conhecimento e das pressões internas e externas.

Dizer que Cenas de um Casamento lança um olhar deveras negativo sobre o amor, seria demonstrar certa miopia diante das construções dramáticas de Bergman e do seu ponto de vista, quando, pelo contrário, a série exalta este como possível, necessário e, fatalmente, incontrolável. Não se trata de vilanizar a afeição, como se ela fosse a responsável pelos problemas do mundo, mas de lançar luz sobre nossa fragilidade emocional, que sufoca nobres sentimentos em função de trivialidades, ou engrenagens difíceis de se azeitar. O viés pessimista/realista é direcionado ao domicílio conjugal, a todo este entorno, às ligações periféricas estabelecidas entre pessoas que se amam, ou que, por algum motivo, anseiam dividir o mesmo teto. O relacionamento é apontado como grande problema para a deterioração do casamento de Johan e Marianne. O ciúme, a possessividade, os sentimentos (positivos e destrutivos) que afloram e que, geralmente são sufocados, as muitas concessões que Johan e Marianne precisam fazer para manter a estabilidade da convivência ao longo dos anos, ironicamente destroem o relação entre eles, por mais que o amor que sintam um pelo outro seja fortemente verdadeiro. Ainda as convenções sociais, as satisfações que, inerente a nossa vontade e/ou alienação, precisamos conferir aos de nosso convívio, são também sinalizadas por Bergman, por meio da história destes dois analfabetos sentimentais - maneira pela qual o próprio gostava de defini-los - como agressores da instituição do casamento, já que a pressão destas entidades intangíveis asfixia o amor, faz ele se apequenar perante sua força opressora. Segundo Bergman, não basta amor, pois ele não triunfa onde inexiste toda uma gama de fatores indispensáveis, ou onde outros tantos danosos abundam.

Bergman, na época precisando criar algo e com pouco orçamento, faz dos closes, marca registrada de sua carreira, os planos predominantes de Cenas de um Casamento. Ninguém registra ou jamais registrou a alma dos personagens melhor que o sueco, e muito disso se deve a esta capacidade de utilizar o close com propriedade única. Cenas de um Casamento é ainda engrandecido pelo estado de graça dos atores que interpretam Johan e Marianne, respectivamente, Erland Josephson e Liv Ullmann, colaboradores contumazes de Bergman. Donos da cena, já que os episódios são praticamente seis conversas, de quase uma hora cada, entre eles, Erland e Liv exibem o que se convencionou chamar de “química”, na busca destas duas personas tão contraditórias, tão intimamente frágeis. Se por vezes há um pequeno jogo de vilania entre estes personagens, logo Bergman trata de nos mostrar que não devemos classificar as pessoas tomando por base apenas dois rótulos, os bons e os maus. E é por esta profundidade e por não conferir ao amor o peso excessivo de único fator determinante para que uma relação dê certo, que Bergman cria mais uma obra poderosa, propondo além da visualização da derrocada de uma relação, tentando assim entender porque todos temos que, seja por nosso egoísmo ou puramente por nossa infantilidade retardada, estragar algo tão único, importante e puro. Todo relacionamento está fadado ou ao erro ou a uma vida de frustrações, e a culpa é nossa. Pessimismo? Pode até ser, mas você vai negar que ele está mais próximo da realidade do que o otimismo infantil das comédias românticas que tratam o amor como aquele que tudo vence, tudo pode?

3 comentários:

  1. Olá, Celo!
    "Cenas e um Casamento" é uma produção incrível. Belo exemplo de como o roteiro, se bem conduzido, é claro, pode levar ao êxito determinado produto de mídia. Bergman era gênio e ilustrava como poucos a alma humana, essa que por hora nega o cinema 3D, pois a necessidade inexiste de atributos técnicos de última geração, os quais servem como suporte para o tido cinemão. Arte é isso.

    Abraçosss

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  2. Muito bacana o texto! Bergman mexe com nossas vísceras, não tem jeito.
    Ele vai fundo, toca na ferida e não retrocede. Como vc bem disse a realidade injetada em seus roteiros torna os filmes mais reais e também mais dolorosos, angustiantes, como a vida em alguns momentos.
    Pra mim esse é o filme que melhor exprime a idéia de matrimônio, relacionamento de uma forma geral.
    Liv Ullmann é impressionante, sua entrega nesse papel é tão grande que nos convence do início ao fim.
    Quando li "mutações" dela passei a entender um pouco mais sobre suas atuações perfeitas e intensas. Ela dizia que ser atriz muitas vezes é um passo para se chegar a loucura, que ter medida pra ela entre real e ficção não é uma receita para se atuar bem e convencer, sobretudo a si mesma.

    beijos

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  3. "Cenas de um Casamento" é a obra definitiva sobre esse nível de compromisso e relacionamento, seu ótimo texto bem exprime as qualidades e significâncias de tal peça de arte tão tocante e, por que não, chocante.

    Parabéns pelo texto, Celo!
    Abraços.

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