quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Aranha vs Urubus

Pode-se dizer que Homem-Aranha foi o herói que possibilitou toda esta onda de adaptações, dos antes apenas moradores das páginas dos quadrinhos, para o cinema. Tudo bem, eu sei que X-Men veio antes, que foi bem de público e até mesmo, surpreendentemente, de crítica, mas o sucesso estrondoso do primeiro filme do cabeça-de-teia verdadeiramente abriu portas, fez com que os produtores desembainhassem suas MontBlanc’s e assinassem cheques astronômicos para produções que agregariam (a grande maioria), como recompensa, alguns milhões a suas contas bancárias. O homem por trás das câmeras foi Sam Raimi, famosos pelo “terrir”, gênero que mistura sangue, vísceras mais falsas que uma nota de três reais e humor duvidoso, tudo em prol de um tipo de cinema escapista, que ganhou fama de cult. Raimi foi uma aposta barata, afinal de contas alguém com tão pouca expressividade massiva e poderio “político” perante o estúdio, no caso a Sony, não poderia se dar ao luxo de cobrar muito ou brigar em pé de igualdade com os produtores pelas decisões criativas do filme. A Sony deve ter pensado: “Se der certo, ótimo, ganhamos dinheiro e criamos uma franquia. Se der errado, mandamos o diretor embora e vamos seguir a próxima onda”. E não é que deu certo? Homem-Aranha é um ótimo filme de origem, pela ação bem dosada com o drama e as pitadas de humor, pelo carisma de Tobey Maguire na pele de Peter Parker e pela direção segura de Sam Raimi, fã confesso do aracnídeo desde moleque, o que talvez o tenha feito respeitoso diante da HQ, conquistando assim muito público, muita renda. Sam Raimi então saiu do patamar de cultuado nos guetos cinematográficos do cinema de gênero, para celebridade inconteste, por conta deste êxito todo. Não tardou a acontecer um segundo filme, este ainda melhor que o primeiro, contando com o arqui-inimigo clássico do herói, o Dr. Octopus, com mais efeitos especiais, este que fizeram da imagem do aranha cruzando os arranha-céus de Manhattan uma imagem clássica, um tipo de estandarte dos novos tempos. Mais dinheiro, mais fama, e a garantia de uma terceira parte de Peter e seus enroscos amorosos com Mary Jane, e suas desventuras pós-adolescência. Estava tudo indo muito bem, todo mundo feliz, os estúdio com uma franquia estabelecida, lucrativa, e Sam Raimi contente com o reconhecimento de seu trabalho, este que fez seu nome ser ventilado com possível diretor de O Hobbit, cargo que, no final das contas, ficou com Guilhermo del Toro. Sam Raimi cresceu, artisticamente e como influência no mundo do cinema.

Durante a pré-produção de Homem- Aranha 3 as coisas complicaram, e um cenário muito comum em Hollywood e nos corredores dos grandes estúdios se impôs como protagonista: as famosas diferenças criativas. Sam Raimi queria ir por uma direção, queria a sequência dos ótimos dois primeiros filmes, introduzindo os vilões clássicos das HQ’s, enquanto a Sony pretendia trazer à tona Venom, o simbionte que, segundo o estúdio, teria mais apelo junto ao público jovem (leia-se consumidor em potencial e público-alvo). Raimi esperneou o que pôde, mas em virtude das pressões vindas dos homens engravatados que assinam os cheques e viabilizam uma produção deste porte, colocou o Venom na história, que dividiu o antagonismo do filme com o Homem de Areia. O resultado foi um fiasco. Por mais que tenha seguido o padrão de sucesso de bilheteria de seus antecessores (o que geralmente acontece numa franquia fortemente estabelecida no mercado), Homem-Aranha 3 se mostrou um filme confuso, banal, bem aquém das duas primeiras partes. O diretor chiou, tornou pública a divergência e posterior imposição da Sony, e a relação ficou estremecida, ao ponto de cogitarem o não retorno dele para a quarta parte. Como era de se esperar, e a julgar pela quantidade de interesses em jogo, as partes se resolveram e começou-se a trabalhar na tão falada quarta aventura. Até que vieram mais divergências, outra vez por conta do vilão e, surpreendentemente, não somente Sam Raimi, mas todo elenco foi demitido em prol de um reboot, do reinício de franquia.

Confesso que fiquei estarrecido com a notícia, afinal de contas é um risco grande que a Sony corre, trocar toda uma equipe que já está habituada a trafegar no universo do aracnídeo, por outra, incumbida, segundo os primeiros rumores, de levar Peter Parker de volta à escola, retratando-o como adolescente. Ontem a noite foi divulgado um comunicado que oficializou Marc Webb, diretor do surpreendente (500) Dias com Ela, como novo diretor por trás do Homem-Aranha. Webb foi contratado sob a perspectiva de trazer à franquia uma linguagem mais jovem, por conta do seu talento em tratar de relacionamentos. Particularmente achei a escolha de Webb, além de interessante, uma boa aposta do estúdio, após a lambança de mandar Raimi catar coquinhos na Warner, sua concorrente direta, na qual ele irá tocar seu projeto vindouro, a adaptação World of Warcraft. O que me alarma é que a probabilidade de, em busca de mais aproximação com os adolescentes, quem sabe espelhando o sucesso de filmes como os da saga Crepúsculo, que buscam no romantismo exagerado o açúcar para edulcorar certos temas, a Sony, exercendo o poder que tem, conduza o novo Homem-Aranha como um filme atrativo somente àqueles na tenra idade, uma comédia adolescente rasa com pitada de ação e mitologia de heróis. Nesta balança pesa também o talento de Webb que, a julgar por seu primeiro filme, pode trazer frescor à franquia, pode desenvolver seu estilo num ambiente completamente diferente. Mas a Sony, que já peitou e mandou embora Sam Raimi e toda uma estrutura pronta, por uma mentalidade puramente mercantilista, deixará Webb desenvolver o seu filme do aracnídeo, ou fará dele mero títere na engrenagem que envolve produções, marketing, royalties e, principalmente, lucro?

UPDATE: Informações (para lê-las, clique aqui), divulgadas ainda ontem, parecem apontar para as direções que eu especulei neste texto.

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Bem como você, muito me agrada as duas primeiras incursões do herói de Stan Lee nas telonas. Fico indignado com a falta de confiança que os estúdios em diversas produções depositam ao diretor que, paradoxalmente, contrataram como responsável imediato pelo sucesso do que se apresenta como resultado. Ao meu ver, sob um olhar leigo e talvez pouco confiável, vejo um erro da Sony, não por ter contratado um diretor que se fez merecedor de louros por seu excelente filme de estreia, mas pela demissão arbitrária e pueril de Sam Raimi. Cito pueril, pois lembra-me muito uma situação costumeira da infância, não só minha, mas que tenho convicção que de uma boa parcela da população: "Vou jogar no time que decidir, pois a bola é minha, se caso não for dessa foma, ninguém joga". Agora ou na época de criança, o poder tem vínculo inequívoco com o possuir, seja nas formas de se fazer algo ou detendo suas ferramentas.
    Basta torcermos para que o "Homem-Aranha" não se torne um filme tipicamente adolescente com, vez que outra, um de seus personagens voando contra o céu de uma Manhattan pouco interessante.

    Abraçosss

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  2. Sinceramente, nunca tive muito interesse em Peter Parker e seu universo, que me parece bidimensional demais, mesmo com toda a dose de consciência do herói. Sei que tal bidimensionalidade reflete a categórica realidade das HQs (que também sempre fez parte de um cinema mesquinho), que é o maniqueísmo, mas mesmo assim a franquia do aracnídeo nunca me atraiu muito - talvez seja coisa do meu inconsciente em parceria com uma possível dose de aracnofobia.

    Enfim, tudo isso serve pra dizer que, se já não me empolgava com as aventuras de Raimi e Maguire, agora apresento desinteresse ainda maior com a nova proposta da Sony. Mesmo com Webb a bordo, que se mostrou um bom diretor com (500) Dias Com Ela, não vejo mais motivos para dar atenção à uma franquia que, até onde chega meu senso crítico e interesse pessoal, já nasce irrelevante.

    Abração Celo!!!

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