sábado, 10 de julho de 2010

John Woo volta à Batalha com Filmaço


Adoro filmes de guerra. Não sei totalmente porque, mas acredito que seja pela forma como um confronto destes, entre homens que não fosse terem nascido em locais diferentes, intercederem a deuses diferentes, terem ideologias diferentes, ou qualquer outro motivo, faz com que certos aspectos inerentes aos seres humanos aflorem, ou se mostrem com mais clareza. O heroísmo de alguns e a covardia de outros. Numa guerra ficam mais evidentes estes indivíduos arquetípicos, geralmente comandantes de tropas que lutam sem ao menos saber por que estão lutando. No cinema americano são celebres os filmes de guerra. Os melhores (e são muitos os excelentes) exploram com profundidade a colisão, os aspectos psicológicos, os danos causados aos que vão e aos que ficam. Os comuns são ufanistas, exaltam um patriotismo falso como justificativa para a expansão de territórios ou mesmo para a obtenção de recursos que não são os seus.

Na China existe uma tradição de filmes de guerra que voltam ao passado das dinastias para mostrar embates entre reinos, num trabalho de resgate de sua história milenar, da qual pouco se sabe com precisão, a não ser por registros da escrita e das pinturas antigas. Em geral não gosto tanto destes filmes chineses, eles não me empolgam muito, assim como os filmes ocidentais rasos sobre as guerras, por apresentarem as mesmas falhas, as mesmas tipificações errôneas e reducionistas. A despeito das carências de estrutura, muitos gostam destes filmes pela beleza, pela grandiosidade das produções, pelas coreografias belíssimas de luta. Para mim isto não é o suficiente na construção de um todo, é mera técnica escondendo fissuras narrativas, de timming, de atuação. Enfim, cada um sabe o que lhe agrada ou deixa de agradar no cinema. Grandes e celebrados filmes recentes, como Herói e O Clã das Adagas Voadoras, só para citar dois, possuem estilo visual belíssimo, mas deixam a desejar em alguns dos elementos supracitados. Este texto não é um desagravo aos filmes chineses de guerra, longe disto, até porque considero alguns ótimos, verdadeiras aulas de certos aspectos cinematográficos. Bem por isto suas técnicas são cada vez mais copiadas pelo cinema ocidental (ou você acredita que as grandes batalhas épicas, com milhares de figurantes, são invenções de Peter Jackson na Trilogia do Anel?).

Depois de um longo tempo afastado do cinema oriental, o diretor John Woo, que criou fama e dinheiro em Hollywood, voltou a sua terra para a produção justamente de um filme de guerra e artes marciais no que diz respeito ao mais tradicional no cinema chinês. A Batalha dos 3 Reinos é esta produção pela qual Woo buscou um resgate próprio, creio que por conta de seus últimos filmes que em nada lembraram o emergente cineasta que outrora veio do oriente referendado por fama e sucessos enormes. É um filme grandioso, cheio de figurantes, com ambientação nos primeiros séculos depois de Cristo e fala sobre a tirania de um primeiro-ministro que para consolidar seu poder, não bastando a dominação que faz do imperador uma marionete em suas mãos, pretende abrir guerra contra dois reinos chineses que ainda não se curvaram ante sua autoridade. Poderia ser mais um filme destes que exaltam heroísmos e bons sentimentos acima de tudo. Poderia, pois tendo um John Woo de volta a velha forma, não haveria como A Batalha dos 3 Reinos ser apenas rico visualmente, ou mesmo um multiplicador dos cânones do gênero.

Mesmo com filmagens portentosas, milhares de figurantes, e outros elementos que o balizam dentro do gênero no qual é proposto, A Batalha dos 3 Reinos é mais do que um simples filme de batalha. Há, e não haveria como fugir disto, uma valorização do heroísmo, da defesa da propriedade e dos que são caros, terreno fértil para bidimensionalizar qualquer relato. Johh Woo, porém, faz um trabalho tão intenso de valorização dos personagens, que não há como ficar alheio nem mesmo a demonstrações que em outros filmes seriam meras declarações ufanistas e inverossímeis de valentia e bravura. Há uma alma em A Batalha dos 3 Reinos que falta em outros filmes do gênero. John Woo sabe muito bem por vezes estreitar o foco, mesmo com sua vocação de esteta, de diretor preocupado com o elemento visual que, aliás, é riquíssimo no filme, em prol da construção de uma história que empolga quando tem de empolgar e emociona quando tem de emocionar. Impossível ficar passivo aos dramas das pessoas, às muito bem escritas e filmadas sequências que mostram as maquinações de generais que lutam mentalmente uma batalha que quando vai aos campos, às vias de fato, já está praticamente decidida. É um filme de guerra de amplo sentido.

Como apreciador de filmes de ação, não posso deixar de sublinhar a beleza coreográfica da guerra filmada por John Woo em A Batalha dos 3 Reinos. Movimentos de câmera corroboram com os corpos em combate, numa organicidade que eleva a ação a níveis empolgantes. Fora o elenco que está soberbo e que conta com grandes atores orientais, entre eles os grandes Tony Leung e Takeshi Kaneshiro, para citar dois, o que salta aos olhos é a vibração da direção de Woo, que parece milimetricamente responsável pelo filme. Nem mesmo algumas inconstâncias, como a maneira meio descuidada com a qual os personagens se intercalam à frente da história,  diminuem a força do relato. Prova deste grande momento de Woo é uma conversa entre líderes que se dá por meio da música, uma sequência de rara beleza e que evidencia o cuidado na construção de um filme que se apresenta grandioso, como os de seu gênero, mas dotado de uma força interna que não é muito comum a seus irmãos.

2 comentários:

  1. Acredito que o gênero de guerra esteja para você assim como o suspense está para mim. Ainda não vi "A Batalha dos 3 Reinos", mas devo fazer isso incentivado pelo seu texto e também por uma obra que apresenta, durante um período histórico tão interessante, a cultura oriental que tanto admiro.

    Abraços Celo!

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  2. Olá, Celo!
    Seu texto despertou em mim a vontade de assistir ao filme que, até então, imaginava primar apenas e exclusivamente pelo visual.

    Abraçossss

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