sábado, 16 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2 e a quimera do sistema


Muito já foi dito sobre o alardeado Tropa de Elite 2. Na verdade, ele foi esmiuçado pela imprensa, pelas conversas de bar, e seus aspectos, desde os mercadológicos que dão conta do lançamento recorde e do instantâneo sucesso de bilheteria, até a discussão ideológica, acerca da visão de país que ele apresenta, foram amplamente discutidos sob as mais diversas óticas. Diante de tanta discussão, de tanto burburinho, fica difícil falar algo novo, de alguma maneira, a respeito de Tropa de Elite 2. Mas, como a opinião passa necessariamente pelo filtro subjetivo de cada espectador, posso não elucidar ou criar teses sobre o filme, e sim tentar transpor em palavras a impressão forte que o mais novo trabalho do diretor José Padilha incutiu em mim, forte de tal maneira que me faz pensar em Tropa de Elite 2 como um dos melhores filmes políticos que já se fez neste país, pelo menos numa história recente.

Para início de conversa, é, no mínimo, tentador comparar Tropa de Elite com Tropa de Elite 2 e, eventualmente é uma situação que não se consegue controlar, até pelo fato de haverem claramente evoluções no segundo com relação ao primeiro, seja como cinema ou mesmo veículo de discussão de problemas de ordem social e política. No entanto, ao apurarmos o olhar e os sentidos, poderemos notar que os filmes formam um díptico coeso, e um exemplo disto, para ficar em apenas um, é certa aproximação da conduta do Capitão Nascimento, agora Coronel, com a visão ideológica que seu agregado Matias tem da polícia e do dever, construída desde a aparição de Matias em Tropa de Elite. Ou seja, não se trata de falar bem de Tropa de Elite 2, dizendo o quão melhor que seu precurssor ele é, mesmo que o seja. Há este complemento que se pede das boas sequências, que não anulam o antecessor, pelo contrário, o completam e o expandem, e é isto que ocorre aqui.

Se no primeiro filme o "inimigo" eram os traficantes, os donos dos morros cariocas que colocam sob estado de sítio a sociedade periférica do Rio de Janeiro, em Tropa de Elite 2 os inimigos se multiplicam e vão desde as milícias formadas por policiais corruptos, que expurgam traficantes para controlar o poderio econômico e político dos morros e das comunidades carentes, passando por figuras tragicômicas que ganham notoriedade por proferirem falácias populistas na televisão, indo até às mais alta esferas do executivo, sob a denúncia do filme, muitas vezes financiadas por este esquema de cobrança de propina e enriquecimento ilícito por parte da ala podre da polícia militar.

Tropa de Elite 2 ainda deve muito ao seu protangonista Nascimento, que ganha tons carregados de complexidade, numa exigência dramatúrgica suprida à altura por um intérprete em estado de graça, como Wagner Moura. O Coronel lida com a distância do filho, que não entende por que o pai mata para sobreviver, ao passo que luta contra o “sistema”, esta quimera sem face definida, ou de múltiplas, portanto de mais difícil identificação, que parece existir somente para proteger uma minoria, a quem as regras não alcançam, a não ser quando delas precisam para acobertar condutas não necessariamente pautadas pela ética de convivência social. Padilha parece nos dizer constantemente, seja pela luta de Nascimento dentro de uma esfera superior de poder, seja por meio do representante dos direitos humanos que briga com as “armas” que lhe competem para que estes direitos sejam garantidos, ou mesmo a jornalista que dribla sanções de imprensa, falta de apoio e de estrutura, que enquanto poucos fizerem este esforço, contra um conjunto de proibições e de intrincados esquemas que regem os poderes, pouca coisa pode mudar. É a constante luta quase solitária do homem contra o sistema, seja ele qual for. Por isto Nascimento é visto por parte do público como o herói que luta contra o que há de podre no reino da terra brasilis, mas em Tropa de Elite 2 ele não está sozinho.

Impreterivelmente, como todo bom filme político, Tropa de Elite 2 gera mais comentários acerca de sua visão ideológica do que suas qualidades enquanto cinema, e isto é bom, pois, grosso modo, é nestas águas do estabelecimento da dialética em amplos campos que um bom filme político deságua, ou pretende desaguar. Mas não podemos esquecer que, estritamente como cinema, Tropa de Elite 2 é uma mistura narrativa muitíssimo eficiente entre o drama de ação e o já citado filme político. Por falar em ação, ela parece agora menos desenfreada, paradoxalmente ao passo que o filme ganha em violência. José Padilha está mais seguro, Wagner Moura continua encarnando visceralmente Nascimento e temos ainda coadjuvantes que fazem trabalhos dignos de premiação, como Irandhir Santos e o surpreendente Sandro Rocha, impecável. Enfim, Tropa de Elite 2 é um blockbuster nacional sim, e o que me deixou mais satisfeito na saída do cinema, em meio ao modo como o filme me cativou e fez refletir, é que este blockbuster nacional é um sucesso que encontra em sua qualidade uma justificativa para ser sucesso. Espero que bata recordes, que seja visto por muitos e se pelo menos uma parcela destes milhões saírem do cinema com metade do que o filme tem a dizer, Padilha terá conseguido atingir seu objetivo, o de fazer o povo refletir por meio do cinema de sua língua, às vezes tão ingênuo e débil, felizmente às vezes, como em Tropa de Elite 2, tão forte, inteligente e necessário.

4 comentários:

  1. Marcelo,

    Muito bacana seu texto, em especial justamente por se tratar de uma opinião sua, pessoal.
    Eu ainda não tive o prazer de conferir Tropa de Elite 2, mas só ouço maravilhas por aqui também :)

    beijos
    Carol

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  2. Estou como a Carol, ouvindo as maiores maravilhas sobre um filme que ainda não vi. Confesso que minha empolgação não é das maiores, ainda que tenha ficado mais interessado após uma opinião tão favorável como a sua Celo.

    Enfim, quando o assistir poderei opinar aqui! O que é inegável mesmo e até surpreendente é o sucesso e repercussão do filme. Uma pena que isso se limite a menos de 1% do que o Brasil lança nos cinemas.

    Abraçosssssss!

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  3. Olá, Celo!
    Belíssimo texto. Espero em breve conferir na telona tal produção nacional.

    Abraçosss

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  4. Agora sim,pude ver "Tropa 2" e concordo contigo em absoluto quando diz que é primordialmente um filme político e muito bom!
    E fico com a impressão de que para nós cariocas, o conteúdo apresentado de forma brilhante(seja pelas atuações, pelas situações, ambientações etc)bate mais forte e assusta!!!
    Pensei o tempo todo quanta coragem é necessária para expor tantas verdades acerca de uma cidade que em tese está "melhorando" mas que por trás dessa ascenção há uma rede para não dizer outra coisa!
    Voltando ao filme: achei genial!

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