sábado, 1 de janeiro de 2011

O Cangaceiro e o cinema que o povo desconhece


Fico fulo da vida quando uma pessoa me diz que não gosta de cinema brasileiro. Sei que não tenho razão em me indignar, afinal de contas é facultado a qualquer um, gostar de qualquer coisa, mas que fico me mordendo para fazer uma ou duas perguntas aos que proferem isto, ah isto eu fico, e digo sem vergonha da irracionalidade. A verdade é que existe um preconceito. Aquela história de “a grama do vizinho sempre é mais verde” parece a regente do pensamento de muitos quando o assunto é o cinema da terra brasilis. Nada contra (mentira, é só para ficar mais politicamente correto, o correto seria “tudo contra”), mas custa se informar um pouco, deixar de ver mais do mesmo, menos globochanchada e prestigiar mais dos bons cineastas que temos, antes de dar uma opinião que muitas vezes ainda remonta à eras em que nas telas do Brasil se viam mais pelos pubianos do que de rostos?

Ver um exemplar nacional bom sempre traz à tona esta indignação, e isto, ver um filme brasileiro bom, é algo que renova também um sentimento de orgulho que vez ou outra me toma de assalto. Aos que fazem parte da turma do “cinema nacional nem a pau Juvenal”, digo que esta sensação de arrebatamento não é tão esparsa assim, principalmente se levarmos em conta o histórico do cinema no Brasil, e de obras-primas que estão por aí, incensadas pela crítica, mas anônimas para muita gente que, por falta de conhecimento, aí sim, falam bobagem. Resolvi assistir ontem O Cangaceiro, de Lima Barreto, e como ele me provocou este arrebatamento, também suscitou todo este pensamento que articulei até agora.

E como é bom O Cangaceiro. No filme,  o bando do Capitão Galdino vive de pilhar cidades, estuprar, sequestrar, enfim cometer vilanias. Quando chega num povoado, o Capitão resolve seqüestrar a professora e pedir resgate. Seu fiel escudeiro Teodoro se apaixona pela moça, foge com ela buscando seu salvamento. A partir daí temos três jornadas que constantemente prometem se chocar: Galdino e seus homens, Teodoro e sua amada, e ainda a volante montada para pegar os cangaceiros. O filme tem uma bela montagem, influenciada pelo estilo soviético dos anos 20 e 30. Possui ainda alguns dos elementos clássicos do western americano, a se destacar alguns enquadramentos tipicamente fordianos que jogam com a perspectiva agigantadora do horizonte, a música tema, ouvida com variáveis ao longo do filme, e o psicologismo, característica de alguns diretores estadunidenses da época, que faziam das jornadas épicas do oeste, uma metáfora do desenvolvimento interno de seus personagens.

O Cangaceiro é um filme seminal, o precursor do que na época ficou conhecido como “nordestern”, os filmes de cangaço embebidos dos signos dos faroestes americanos. Vencedor do prêmio de Melhor Filme de Aventura do Festival de Cannes e responsável por, na época, alçar o nome do roteirista e diretor Lima Barreto às rodas de conversa sobre cinema no mundo todo, este é um filme praticamente desconhecido de uma massa, do qual ele muito se aproxima, não por ser raso (até por que se falasse isto, estaria eu colocando no público a pecha de rasteiro), mas por ser cinema cheio de signos populares, principalmente pelos traços culturais do povo nordestino. O lançamento do DVD, previsto para o ano que vem, após minucioso processo de recuperação e remasterização, promete aliviar um pouco esta injustiça, com um de nossos filmes mais reconhecidos (no exterior). É o que eu digo, as pessoas podem até achar um filme, ou uma cinematografia toda, ruim, mas para sair aos quatro ventos bradando contra, e por que não, também a favor, é preciso, no mínimo, conhecer.

2 comentários:

  1. Olá, Celo! Parabéns pelo texto, muito bem escrito. O pior é que as pessoas julgam as coisas sem conhecimento de causa ou sob perspectiva abaixo do nível do mar. A crítica é livre, mas o é aos que possuem conhecimento para tal.

    Abraçosss

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  2. Olá Celo!
    Realmente é um ótimo texto, muito pertinente e pontual. Cansei de ouvir "é um ótimo filme, mesmo sendo nacional". Desde quando o "cinema nacional" virou parâmetro negativo e argumento perjorativo? É realmente um absurdo.

    Tenho muito interesse em assistir "O Cangaceiro", assim como outras obras do nosso cinema que, definitivamente, deve merecer ao menos o respeito de todos.

    Abraços!

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