terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Catfish e os peixes presos na rede


Os antropólogos, sociólogos e outros “ólogos” de plantão podem dar mais significância às questões internéticas, principalmente no que concerne a forma como as redes sociais criam interação virtual, que muito difere da real. Isto não impede que tenhamos um olhar crítico e até mesmo analítico acerca destes fenômenos que, ao passo que conectam milhões, que se apresentam como vias absolutas de comunicação, causam certa solidão e isolamento em alguns, que não se importam (ou não se dão conta) em se transformar em dicotomias ambulantes: introvertidos e não raro descontentes com a vida real, mas possuidores de avatares cibernéticos de existência exemplar, donos de um sucesso artificial que se presta a preencher lacunas da realidade dos componentes desta sociedade cada vez mais afeita à competição e a exaltação dos “melhores”, em detrimento dos “perdedores”.

Catfish, sucesso americano independente, fervilhante assunto nos fóruns da internet, é alardeado como um documentário sobre o peculiar relacionamento à distância entre um fotógrafo de Nova York e uma menina de oito anos que transforma suas fotos em pintura. Posteriormente, Nev, o fotógrafo, expande a amizade para toda família da menina: a mãe, o pai, o irmão roqueiro e a irmã, linda, que acaba começando um flerte com ele. O documentário então muda o foco, e vemos Ned em suas correspondências apaixonadas com Megan, até que um dia, numa destas trocas, devidamente registradas em filme, algo acontece e, a partir dali, o documentário passa a ser quase um thriller, um suspense que nos convida a descobrir. Muito mais não se pode falar de Catfish, opto deliberadamente por ser evasivo, pois parte da graça encontra-se na surpresa, no desenrolar de uma trama que vai lentamente pendendo para um lado seguramente inesperado. O fato de ser registrado e vendido como documentário não quer dizer que ele certamente o seja, e na própria internet existe muita controvérsia quanto a natureza real do filme. Fiquem com a dúvida até assistirem, após busquem informações, é uma dica. 

De qualquer forma, em Catfish há uma inteligente utilização de elementos da web, como mapas virtuais e a própria brincadeira inicial com o logotipo da Universal. A estética obedece aos signos de um documentário mais rústico, com pouco tratamento de áudio, partes legendadas em inglês para que entendamos o que os personagens falam longe da câmera, e aparente despreocupação com a beleza do plano, como a fotografia propriamente dita. Falta de habilidade ou cuidadosa construção? Mesmo que seja relevante, a discussão da natureza de Catfish, grosso modo, não interfere na mensagem, na maneira como ele ressoa no espectador. De fato, saber se ele é uma ficção ou um doc influencia o pensamento sobre a forma, que desemboca na exaltação de uma mise-en-scène propositalmente naturalista ou nos méritos dos diretores pela engenhosa mudança do fio documental durante o processo do filme. Porém, ter ciência não modifica radicalmente a sensação amarga que inevitavelmente fica após o final do filme e que evoca questionamentos do tipo “no que a sociedade está se transformando?”. Repito, vejam o filme e depois cacem maiores informações.

Catfish daria uma bela sessão dupla com A Rede Social, não por ambos utilizarem o facebook quase como personagem, mas pela investigação mútua, cada qual em seu registro, destas transformações sociais que vieram junto com a automação e virtualização dos relacionamentos, que já não são assunto novo, mas que somente agora começam a ganhar contornos mais profundos em obras cinematográficas. Enquanto o filme de Fincher toma o fundador do facebook como exemplo da confusão mental e moral de uma geração, em Catfish vemos a que ponto chegamos como espécie, lembrando que isto só o começo, que a catástrofe de proporções sociais que nos aflige, pelo menos a alguns, que de qualquer forma não são poucos, tende a ganhar contornos ainda mais dramáticos. Documentário ou ficção, Catfish é um belo filme sobre a construção das relações, do agora ao porvir. Sendo um documentário, é um belo doc que se construiu no processo. Sendo ficção, é dotado de invejáveis construções, de atmosfera, ritmo e de roteiro, e um desfile de impressionantes interpretações realistas. Mesmo sendo tão bom, não espere, infelizmente, um lançamento comercial no Brasil (descartando a hipótese de um milagre), pois geralmente histórias com este nível de relevância, não combinam com pipoca e refrigerante nos cinemas dos shoppings, estes cercados de praça de alimentação por todos os lados.

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Adorei a escolha da imagem para o seu post. Não classificaria "Catfish" como triste, mas como uma tocante história incrivelmente bem narrada e envolvente.

    Abraçosss

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  2. Ótimo achado Celo, talvez demoraria muito até eu dar a atenção devida para este filme. "Catfish" investiga a fundo, através de uma estética nada óbvia ou previsível, as possibilidades assustadoras que o mundo virtual nos proporciona.
    É um filme que merece ser visto.

    Parabéns pelo ótimo texto.
    Um grande abraço!

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