domingo, 6 de fevereiro de 2011

Falar e ouvir sobre cinema


Não sei se tenho sempre razão, não creio que minhas opiniões sejam absolutas e acredito que bem por isso minha busca por experiências reveladoras filtradas pelo cinema seja algo tão importante para mim. Diferente de algum tempo atrás, quando eu “cortaria o fígado” de alguém que atacasse virulentamente um filme que eu eventualmente amasse, utilizando para isto meus tão caros argumentos, hoje posso dizer que consigo ser mais tranqüilo quando há embate entre minhas ideias e as dos outros. Não se trata de curvar-se, resignar-se perante discussões inúteis, até por que creio na total relevância das discussões civilizadas, mas de intercalar o ouvir e o falar, extraindo de ambos o conhecimento pretendido.

Quando falei que não sabia se tinha razões, é certo que isto, que ao meu ver exclui uma maléfica segurança absolutista, não faz de mim um passivo, alguém que simplesmente deixa suas impressões sucumbirem perante alguém com mais nome, mais eloqüência ou de argumentos aparentemente mais sólidos que os meus, não é isto. Continuo valorizando minhas opiniões, meus pontos de vista, continuo lutando por eles, porém não creio mais que precise impô-los aos outros, ou mesmo negar o que vai de encontro com minhas elucubrações. Pensei ser isto sabedoria, mas percebi que não, que é pura e simplesmente o entendimento de que sou um ser humano em processo de aprendizagem, que tateia em busca de uma maior abrangência na percepção das coisas do cinema, das narrativas, das inúmeras formas do fazer artístico a 24 quadros por segundo.

O filme que odiei hoje pode ser sinônimo de iluminação amanhã, bem como o contrário também é verdadeiro, quando cânones do nosso conhecimento caem por terra ao passo que adquirimos experiência, que apuramos o olhar, que evoluímos. Penso que quando nos tornamos soldados excessivamente armados, dispostos a impingir aos outros o que pensamos sobre alguma obra como, neste caso, os filmes, demonstramos toda insegurança de nosso julgamento, toda a fragilidade da construção de significados que tememos cair por terra ao mínimo sinal de um abalo que toma por forma a opinião alheia. O que poucas vezes percebemos, ou queremos perceber, é que uma opinião contrária a nossa geralmente faz crescer, e nos ajuda a ascender rumo a novos níveis de entendimento e clareza.

Há os críticos de cinema mordazes, há os excessivamente bonzinhos, há os que não têm talento algum para a análise, há os guias de consumo, ou seja, são diversos os tipos de críticos de cinema, e eu procuro um diálogo com todos, seja me abastecendo com suas análises enriquecedoras, ou acompanhando e tirando algo da fragilidade de uma construção ideária, que eu julgo frágil, mas que pode não ser, vai saber? Assim como julgo minhas opiniões não absolutas, mutáveis e passíveis de uma revisão, creio que muitos críticos fazem deste enriquecimento diário, uma constante para que evitem armadilhas como o preconceito e os julgamentos apressados. O pior crítico, ou pseudo-crítico, é aquele que não suportando opiniões contrárias às suas, faz de tudo para, num ato de guerrilha desesperada, desautorizar os argumentos alheios, em favor dos seus, numa espécie de xadrez de egos, no qual o xeque-mate sempre é pronunciado por uma voz geralmente afoita por aceitação.

Tento, cada vez mais, debater e discutir sobre filmes e linguagens, fazendo questão de me posicionar, mas não deixando de abrir espaço para outros olhares e outras vozes que possam me ajudar neste processo de constante evolução. Nem sempre é possível, por vezes o monstro irracional desabrocha e parece que tudo o que quero é fazer meu interlocutor concordar comigo, aceitar meus argumentos e, com isto, ambos sermos felizes, com esta minha falsa ideia de dialética. Se quero (e quero) no futuro ser um crítico de cinema, tenho certamente que valorizar minhas opiniões, sem perder esta pontinha de desconfiança sobre a mesma, afinal de contas somos facilmente traídos por nossas próprias armadilhas, mas preciso seguramente exercitar duas coisas: o respeito à opinião alheia; e o aprendizado refinado da extração de conhecimento destas formas diferentes de encarar as coisas, que aos outros me cabe apresentar.

4 comentários:

  1. Lindo texto Marcelo! E sabe o que mais gostei? Foi sua forma sincera de se colocar num tema que é quase matafísico,quase como entrar no sexo dos anjos,se considerarmos os vários pontos altamente discutíveis que abrangem outros tantos.
    Concordo com tudo que vc falou e te admiro muito pela forma quase sempre justa, neutra não, mas respeitável com que escreve seus textos, até quando critica.
    Isso de ficarmos melindrados com comentários agressivos ou simplesmente para atacar, pois tem pessoas que agem assim, acho super natural. Pois é difícil digerir esse tipo de coisa.
    Em um certo post do blog de vocês eu escrevi justamente isso: o que seria do amarelo se todos gostassem do vermelho? E eu penso que a diferença quase sempre acrescenta.Como vc bem ilustrou em seu texto: em um certo momento alguns filmes podem não nos agradar, podem até gerar repulsa, mas com o passar do tempo e com o nosso próprio amadurecimento e mudanças,além de interesses vigentes, podemos olhar aquele mesmo filme com outros olhos. Sem dúvida alguma!

    Eu pessoalmente já te julgo um crítico de cinema, olhe essa definição: ".. o crítico de cinema analisa a obra cinematográfica com características discursivas próprias e que normalmente evolui de modo empírico em uma busca de respostas e questionamentos com bases em evidências disponíveis fora dos limites da mente do observador e formulam suas interpretações à partir de evidência intersubjetiva disponível no texto".
    Esse "intersubjetivo" acho que resume o que vc coloca acerca do crítico de cinema e da sua forma de encarar a tarefa, juntamente com seus ideais. Não sei, posso estar enganada, mas enxergo sua forma de escrever e expor suas opiniões assim.

    beijos
    parabéns mais uma vez pelo texto.

    ResponderExcluir
  2. Olá Carol,

    Agradeço imensamente pelo elogio ao texto e por me considerar já um crítico de cinema. Porém acredito que ainda tenho um longo caminho pela frente, que será certamente trilhado com muita disposição e vontade, pois é assim que se faz quando se gosta do caminho, não é mesmo?

    Obrigado por nos prestigiar sempre aqui no blog e contribuir com suas opiniões, sempre tão bem-vindas.

    beijos

    ResponderExcluir
  3. Pegando esse gancho da crítica, dos críticos etc e tal.
    Indico demais, sem hesitar que você leia O Arnaldo Bloch no Segundo Caderno do Globo de sábado( dia 12/02/11) onde ele em tese, fala sobre "Cisne Negro"e os comentários mais frequentes que o cercam, mas ele toca em pontos que são inerentes a qualquer ponto de vista e sucetíveis de serem refletidos.

    Quase no final(ainda sobre Cisne Negro), ele fala: "Não caros críticos.Não é um balé de Tchaikovsky.É um filme de Aronofsky, onde um balé é pretexto, mote simbológico,para se falar de uma infinidade de temas".

    Só pra terminar, preciso dizer que o título deste texto é "Cisne Cinza" -Cinco ou seis coisas sobre a recepção do filme pelo público e por parte da crítica-

    beijos

    ResponderExcluir
  4. Olá, Celo! Belíssimo texto, gostaria de parabenizar sua franca evolução textual, por meio, sobretudo, das fortes amarras entre os argumentos apresentados ao leitor que, pouco atencioso, pouco entende tão rica exposição.

    Abraçosss

    ResponderExcluir