sábado, 12 de março de 2011

Churrasco de Blade Runner


O sempre espirituoso André Barcisnki tem uma seção em seu blog, na qual “faz churrasco de vacas sagradas”, ou seja, fala (mal) de filmes que são praticamente unanimidade no imaginário cinéfilo. Bem, este é o meu churrasco. Na verdade não é bem assim, o filme que motivou este post não é ruim, não o odeio com todas as forças, mas é um típico caso de superestima cinéfila. Falo de Blade Runner - O Caçador de Andróides. Sim, os que amam incondicionalmente o scifi de Ridley Scott já podem apedrejar. Para começar, deixo claro que já vi o filme duas vezes, e da primeira não tinha gostado quase nada. Recentemente visto, então pela segunda vez, e a mesma versão, aquela do diretor montada em 1991, o filme me pareceu mais inteligente do que eu lembrava, mas ainda ressentido de um bando de coisas, que não me permitem o envolvimento que as grandes obras suscitam.

Blade Runner - O Caçador de Andróides tem como protagonista Deckard, um caçador de replicantes, que são similares humanos criados com a mais alta tecnologia, tanto da robótica quanto da engenharia genética. O grande problema é que por mecanismo de defesa, e já prevendo problemas futuros, os criadores limitaram em quatro anos o período de vida de suas criaturas. A missão de Deckard é erradicar os replicantes, que voltaram para a Terra após uma rebelião violentíssima numa colônia instaurada em outro planeta. A partir deste incidente, todos os replicantes estão condenados à morte na atmosfera terrestre. Deckard então parte, como um legítimo detetive de filmes noir, na caça dos rebeldes, e no meio do caminho se apaixona por uma replicante que não tem, a priori, consciência de que o é, pois já representa um modelo dotado de lembranças implantadas e sem noção de sua finitude precoce, quase como um humano.

O filme é visualmente arrebatador, ainda para os padrões de hoje, possui belos e funcionais efeitos especiais e inspirada direção de arte que, trabalhando em consonância, conferem ao filme um visual retrô/futurista, que muito me agrada. As ruas apinhadas de gente do começo, e as mesmas vazias do meio para o fim, dão a exata da noção do entorno social de um planeta habitado apenas pela “escória”, já que os abastados viram colonizadores que largaram a decrepitude de uma Terra agonizante em sua própria auto-mutilação. Existe todo um viés filosófico que permeia Blade Runner - O Caçador de Andróides, muito por conta desta angústia dos replicantes, que somente buscam sobrevivência, não sendo essencialmente maus ou algo que o valha, e deste tom profético da decadência do planeta. É impressionante a profundidade alcançada nestes momentos de questionamento, que rapidamente remetem a expressões como “ser ou não ser, eis a questão” e a máximas filosóficas tais como “penso, logo existo” (esta inclusive citada no filme).

Fosse por esta embalagem, Blade Runner - O Caçador de Andróides poderia facilmente ser classificado como incontestável obra-prima, mas há no desenvolvimento de um roteiro trôpego, diversas inconsistências, principalmente de ritmo, que não me permitem embarcar totalmente na do filme. Não há alternância sadia entre a investigação de Deckard e o percurso dos replicantes. Eles caminham impreterivelmente para uma colisão, mas não há propriamente um clima de tensão nesta busca, as cenas são mais importantes encerradas em si mesmas do que vistas como frações de um conjunto. Chega um ponto em que Ridley Scott cansa de nos mostrar seus cenários e efeitos revolucionários, e praticamente se atém a esta caçada deveras apressada, sem a ampliação dramática necessária para uma maior empatia. Por exemplo, até entendo o amor de Deckard pela replicante acontecer de maneira tão instintiva, romântica, mas são engulo as cenas em que ele acaba com seus alvos de uma forma tão rápida, que a perseguição pregressa perde a força dramática, e  passados cinco segundos esquecemos da relevância daquele ser meio orgânico/meio inorgânico que acabou de morrer. Isto poderia ser uma “alusão a como descartamos vidas humanas, esquecendo seu valor”? Claro que poderia, num cenário mais bem desenvolvido. Em Blade Runner - O Caçador de Andróides, estas sequências soam como buracos mesmo.

No final das contas, Blade Runner - O Caçador de Andróides vale por todos estes elementos que citei num dos parágrafos acima, por mostrar estas crises existenciais, num paralelo bem rico com o próprio senso de finitude humana, e pela ótima caracterização de um futuro que, acredito, não oferece cenário muito diferente do que temos pela frente. Profético, Blade Runner - O Caçador de Andróides ainda tem uma trilha sonora das mais icônicas e funcionais. Parece-me, porém, mais forte nos elementos inerentes ao livro em que se baseou, e carente de um desenvolvimento narrativo cinematográfico tão criativo e arrebatador quanto seus cenários, efeitos e intenções. Um bom filme de ação, turbinado com signos bem mais bem exitosos que as tímidas curvas que eles ajudam a compor, isto que é, para mim, Blade Runner - O Caçador de Andróides. Um filme superestimado, “vítima” do culto que o levou a um panteão que ele não merece pertencer.

4 comentários:

  1. Inicio aqui com aquele velho comentário: O que seria do amarelo se todos gostassem do vermelho?
    No entanto, pra mim é claro, "Blade Runner"está no rol dos filmes que independente do gênero apreciado pelo espectador,será arrebatador em diversos aspectos.
    Além de profético como vc mesmo disse,o argumento de Ridley S.que se baseou na obra de P. Dick é visionário.E incluo o Ridley S. óbvio, por ter se interessado pela idéia e por ter "comprado o barulho" de um filme que se pensarmos em termos de 7a arte, pra época foi um divisor de águas, portanto poderia provocar recusa como também poderia agradar.
    Os personagens de: Deckard vivido por Harrison F,o de Rachel(Sean Young, que aliás marcou sua carreira com essa atuação),Rutger Houer e Darryl Hanna deram um novo arranjo ao que antes, em especial em filmes de ficção, ação etc..sofriam com um certo maniqueísmo. Ou o sujeito era bom ou mau. Pouco se via personalidades que mesclavam nossos anjos e demônios, sem que anjos fossem laureados e demônios exorcisados.
    E na realidade "Blade Runner" só ganhou status de Cult Movie, anos depois de sua estréia. Até então ele era simplesmente um filme de ficção científica.
    Eu me sinto à vontade pra falar, justamente pq o gênero não me enche os olhos, mas esse é bem especial pra mim.
    Não vejo um roteiro trôpego nem inconsistente. E pelo contrário, acho ele que nos leva, nos convoca a entrar no ritmo frenético em vários momentos e reflexivos na medida certa em outros.A sacação dele em explorar a manipulação de seres humanos é genial, bem como o homem x máquina,a perfeição tão desejada por nós(sempre em alguma instância) mas que no fundo não existe e nem nunca existirá.
    A trilha nem preciso comentar, vc já deu o toque, é maravilhosa(Vangelis na veia)! Eu só acrescentaria que talvez pelo momento político,social e cultural "Blade Runner" não à toa, tenha se tornado um filme cultuado.
    Um dos poucos que eu vejo perfeição, sintonia,belas construções de personagens, cenários, ambientações, roteiro atraente, envolvente e redondo!

    Parabéns por mais esse texto, por possibilitar um flashback ao leitor, em alto estilo, diga-se de passagem.

    beijos

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  2. Oi Carol,

    Primeiro, gostaria de te agradecer por propociar com teus comentários, sempre tão atentos e pertinentes, a sequência do posts, o que amplifica e muito o escopo do que proponhos por aqui.

    Sobre "Blade Runner", esta relação que não se estabelece por completo entre nós, o filme e eu, é fruto, prioritariamente, destas inconsitências que vejo na forma narrativa, este desleixo, principalmente com o clímax de certas sequências. Consigo vislumbrar a vanguarda na qual ele atua, mas não sou capaz de me envolver de tal maneira que ele provoque arrebatamento ou algo que o valha. Quem sabe da terceira vez que o vir, não é mesmo?

    Beijos

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  3. Meu churrasco de vacas sagradas seria composto por vários filmes do Ridley Scott (o que é Thelma & Louise?!), do Steve Soder'blérgh' e do Altman. Sou do seu time Celo (desculpe, Carol!), dos que não cultuam Blade Runner, mas o vi há tanto tempo que mal me lembro dos motivos que me fizeram desgostar do filme. No entanto, nunca questionei a importância do filme quanto meio para a quebra de paradigmas e por influênciar a inovação estética e narrativa de um gênero, o que concordo que Blade Runner fez. No entanto, isso serve bem à época, mas o filme sobreviveu ao tempo? Considero que não, ainda mais quando se vê filmes muito mais antigos que hoje continuam tão atuais ou até mais do que foram na época de seu lançamento.

    Obrigado pelo texto e por compartilhar o churrasco comigo, Celo! Abraços!

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  4. Olá, Celo!
    Vi apenas uma vez, há muito tempo, junto com você, lá, da primeira vez. Comportilho sua opinião, mas pretendo, também como ocorreu contigo, fornecer à obra uma segunda chance.

    Abraçosss

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