quarta-feira, 20 de abril de 2011

Os tempos modernos do cinema

Embalagem é tudo. Estudos interessantes apontam que a decisão de compra do consumidor é influenciada, e muito, pela comunicação emitida pela embalagem. Considerando um universo onde cinema é comércio e filmes são meros produtos, suas embalagens devem ser extremamente atrativas, dadas as devidas ameaças de um mercado com muita competição entre empresas rivais. Para a felicidade da indústria, continuamente proclamam novidades tecnológicas que prometem transformar produtos cinematográficos em artigos extremamente sedutores. No entanto, independentemente do segmento comercial, o problema é o mesmo: dão atenção em excesso à embalagem e importância insuficiente ao seu conteúdo.

O paralelo acima e diversos outros questionamentos me surgiram ao ler sobre aquela que foi nomeada a nova revolução tecnológica do cinema, que diz respeito à captação e reprodução de imagens com 48 quadros por segundo e não mais 24 - formatação utilizada no cinema há quase um século. James Cameron, responsável também pela contínua agitação da indústria hollywoodiana em relação ao cinema 3D, é o principal entusiasta e defensor da novidade. A Variety, um dos mais importantes veículos norte-americanos na área do entretenimento, vai além e diz que tal evolução no cinema é equiparável às alterações proporcionadas pela entrada do som, cor e – novamente – do 3D.

A vindoura duologia O Hobbit, dirigida por Peter Jackson, já está sendo rodada com câmeras que captam 48 quadros por segundo. Cameron, que promete para 2014 e 2015 duas sequências para Avatar, diz que os filmes serão rodados com equipamentos digitais que captam 48 e 60 quadros por segundo. O único impasse, no presente momento, é que apenas 10 mil salas no mundo suportam este tipo de projeção. Jackson espera que até dezembro de 2012, quando lança o primeiro de seus dois filmes, o cenário seja outro e ainda indica: “se nós lançarmos mesmo em 48 quadros por segundo estes serão os cinemas em que você deverá assistir ao filme. Será inacreditável!”.

A incensada mudança, que segundo Peter Jackson já alterou a percepção de muitos puristas, está no senso de “realidade” que a tecnologia permite. James Cameron, que defende o 3D como forma de levar o espectador para dentro da narrativa, apoia o amigo cineasta no discurso. Independente do avanço, seja ele mais marketing que efetivamente tecnologia, tal necessidade por novidades sinaliza uma indústria temerosa frente às novas ferramentas disponíveis, que ainda dispersam o público das salas de projeção. O 3D aumentou e muito o faturamento dos estúdios, porém isso é sinal da elevação dos custos de ingresso e não necessariamente de uma adesão maior de espectadores.

Tento não encarar com ceticismo essas novas tecnologias. Apenas em imaginar uma repulsa imediata, anterior a qualquer experiência com alguma novidade, lembro-me de Platão e do mito da caverna. Acredito na validade de tais inovações como recursos cinematográficos interessantes, mas não essenciais ou merecedoras de mérito por revolucionarem uma arte. Avatar é excepcional quando o que se analisa é seu ineditismo tecnológico, porém até onde ele inova em outros quesitos? Até onde ele vai além de ser outra narrativa desenvolvida em cima do monomito? Existe algum filme lançado em 3D que não seria tão bom (ou tão ruim, como muito acontece) caso fosse realizado sem tal artifício?

Essas e outras questões me inquietam nos últimos dias. Amo o cinema em sua essência e tento não encarar às supracitadas novas tecnologias através de uma ótica simplista e paradoxal, como se o avanço tecnológico implicasse na carência de conteúdo, mas é difícil. Afinal, embalagem é tudo?

2 comentários:

  1. Olá Kon,

    Ótimo texto sobre esta questão cada vez mais importante quando pensamos sobre os rumos do cinema na contemporaneidade. Este assunto dos 48 quadros por segundo, assim como as declarações anteriores de Peter Jackson sobre a nova captura de movimentos, tão revolucionária que, segundo ele, fará atores mais velhos representarem mais novos, e vice versa, e ainda rumores de que a tecnologia poderia "ressucitar" artistas de outrora, por meio da interferêncvia digital, só representam, como você disse, uma busca por tornar o cinema algo mais espetacular, de tal forma que faça regredir a evasão das salas de cinema. Como bom purista, e até certo ponto, reacionário, tendo a ver com ressalvas todas estas reformas que buscam "salvar o cinema", mas que na verdade procuram salvar seu caráter como entretenimento de massa.

    Abraços

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  2. Olá, Kon!
    Belíssimo texto.
    O problema maior é que, de maneira proporcional, crescem as tecnologias e a distância das pessoas em uma sala de cinema da velha, boa e, já nostálgica, educação.

    Abraçosss

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