sábado, 23 de julho de 2011

A volta da censura no país da hipocrisia institucional

Se existe um fantasma a atormentar toda sociedade que já foi vítima de qualquer processo ditatorial é a censura, esta extirpação do direito à livre expressão. Da ditadura que nos coube em outros tempos, sobraram, além de exemplos negativos e muita gente torturada nos porões do poder, casos abundantes de processos deflagrados de censura. Como todo fantasma, este vive a assombrar, a pôr medo.

Nesta semana, um caso polêmico fez emergirem estas memórias da censura, da época ditatorial brasileira. A diretoria da Caixa Econômica Federal ordenou a retirada do filme A Serbian Film - Terror Sem Limites da programação do RioFan, evento do qual é patrocinadora, através de seguinte texto: "Senhor Produtor, Informamos que, por decisão da Caixa Econômica Federal, o filme A Serbian Film - Terror sem Limites deverá ser retirado da programação da mostra RioFan, em cartaz na Caixa Cultural RJ e patrocinada por essa Instituição"

Em resposta pública, a recém criada ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) divulgou uma nota de repúdio ao veto, que reproduzo abaixo.

Repúdio ao veto a “A Serbian Film” no RioFan

A Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema repudia o veto à projeção do longa-metragem “A Serbian Film – Terror sem Limites”, do diretor sérvio Srdjan Spasojevic, presente na programação do RioFan – Festival de Cinema Fantástico do Rio de Janeiro. O filme seria exibido pelo RioFan na sala Caixa Cultural. Porém, os organizadores do festival foram obrigados a retirá-lo da programação por decisão da diretoria da Caixa Econômica Federal, conforme nota divulgada pela assessoria de imprensa do banco, sob alegação de que a instituição “entende que a arte deve ter o limite da imaginação do artista, porém nem todo produto criativo cabe de forma irrestrita em qualquer suporte ou lugar”.

Em resposta, a organização do RioFan se disse “contra qualquer forma de censura” e informou que todos os filmes selecionados para o festival foram avaliados por órgãos oficiais competentes e têm classificação etária de 18 anos. A Abraccine defende a liberdade de expressão cinematográfica e o direito de os espectadores interessados assistirem aos filmes que lhes convêm, acreditando não caber a instituições públicas ou privadas a definição sobre o que deve ou não ser visto. A responsabilidade sobre programação e observação à classificação etária de filmes apresentados num festival de cinema é da organização do evento, devendo a ela serem dirigidas eventuais questões controversas, sem, para isso, ser utilizado o ato de censura prévia (inexistente no país) a um determinado trabalho artístico.

Registramos ainda que “A Serbian Film” já teve pelo menos outras duas exibições anteriores ao RioFan: no I Festival Internacional Lume de Cinema (São Luís, no Maranhão) e no VII Fantaspoa – Festival Internacional de Cinema Fantástico (Porto Alegre, no Rio Grande do Sul). Por esta nota, deixamos ainda claro que a Abraccine não está defendendo um trabalho ou um festival em específico, mas um princípio: o de um filme poder ser assistido e avaliado pelo espectador com liberdade.
ABRACCINE
Associação Brasileira de Críticos de Cinema

Após uma série de outros movimentos de repulsa à proibição, largamente disseminados com a ajuda de redes sociais, blogs e sites dedicados ao cinema, surgiu a informação absurda da apreensão da cópia do filme, a que seria utilizada para a exibição anteriormente vetada, atendendo a liminar obtida pela 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro. O advogado responsável pela ação, cheio de si, colocou assim em seu perfil do Facebook: "Senhores, consegui uma importante liminar em prol da família e dos valores cristãos. Hoje consegui proibir - através de uma liminar - a exibição de um filme nos cinemas com cenas de Pedofilia e Estupro de um Recém-Nascido. O Juizado da Infância e da Juventude já realizou a apreensão do filme.... Estou indo dormir, coma sensação do dever cumprido.”

Aí pergunto: Qual o propósito do veto, e posterior apreensão arbitrária da cópia do filme que, por classificação, já estava previamente vedado a menores de idade? Onde fica a liberdade? Morais e bons costumes de quem? Em tempos de internet, de compartilhamento, os paladinos desta moral esvaziada acham realmente que conseguirão frear o ímpeto de quem queria, ou ainda quer, assistir ao filme? O pior é constatar que estes senhores encontram respaldo legal para censurar, para decidir o que devemos/podemos ver ou fazer. Vergonha chancelada pelo falido sistema judiciário brasileiro. Palmas à ignorância e à volta dos quem “sabem o que é melhor para o povo”.

4 comentários:

  1. Caro Marcelo Muller,

    Não confunda liberdade de expressão com apologia ao crime.

    Hipocrisia seria o país gastar milhões de reais em politicas para acabar com este crime barbaro no pais e a CEF uma autarquia bancar a exposição desse filme.

    E os direitos das milhares de crianças que são estupradas no mundo por gente com a mente doente?

    Sugestão: Invista o seu tempo em um protesto contra a corrupção ou até mesmo a pedofilia....

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  2. Caro Vinicius,

    Esteja certo que não confundo os conceitos de liberdade e apologia ao crime, ao contrário dos que defendem o veto por acreditar que a obra celebra o crime hediondo, e que os que a veem são pedófilos degenerados.

    O que está em jogo nesta questão não é propriamente o conteúdo do filme, e sim a liberdade que eu deveria ter de poder assistí-lo ou não. Não cabe ao governo, poder judicial ou qualquer que seja a instituição cercear o direito do cidadão.

    Se nos resignarmos, se acharmos que as grandes batalhas já foram perdidas, o que será de nós? Um povo sem liberdade, sem livre-arbítrio para decidir seus próprios rumos?

    Não confunda alhos com bugalhos.

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  3. Olá, Celo!
    Ainda consigo me surpreender com avais contrários à, oficialmente, toda poderosa Constituição. Como mãe sem poder sobre os seus rebentos, esta nossa constituição já com mais de duas décadas, não assusta ou não comanda mais ninguém. Nem mesmo aos que a criaram e organizaram. Simplesmente um absurdo. Não preciso de filtros além dos que tenho, além dos que me formam como indivíduo.


    Abraçosssss

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  4. Querido Celo,

    Obrigado por fazer um post sobre este assunto, tão absurdo quanto merecedor de atenção.
    Temo que tal veto sirva como incentivo para novas ações contra obras, sejam quais forem seus caráteres, por motivos tão ignorantes e injustificados como acontece com "A Serbian Film". Enquanto a novela se desenrola, agimos como podemos para contribuir para que este mal tão grande que já assolou nosso país, a censura, não volte a aterrorizar quaisquer manifestações artísticas.

    Grande abraço!

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